Sábado – Pense por si

Vítor Sousa
Vítor Sousa Escritor e poeta
27 de fevereiro de 2017 às 15:56

Pequeno do abono

O pesadelo da ilha a chegar perseguiu o avô até que ele decidiu regressar. Era um homem temente a Deus e alguma coisa devia significar aquela reincidência. Talvez um sinal de nosso senhor, pensava

Naquela tarde, ao chegar a casa, a mochila da escola enganchou-se na cerca que fazia de porta. A mochila caiu e foi um inferno. Da sala, o desespero do pai em estágio para a bola da noite. Era dia de pague uma leve duas na mercearia, a benesse mensal que se esgotava logo na primeira hora, ainda de madrugada. - Já viste o que fizeste, pequeno do abono? -, enlouquecia o pai ao ver um mês de espera em cacos, a cerveja a escorrer para o quintal e o Cantiflas às voltas, a roubar mais um centímetro ao cansaço da árvore, mais uns milímetros ao "nó que nem Deus desata, que daqui ele só foge com a árvore atrás", orgulhava-se o avó, homem habituado a amarrar bichos maiores. Só os soltava porque lhe pagavam e ainda recebia umas lembranças extravagantes, garrafas com vários formatos e tamanhos, cervejas de todo o mundo que faziam do avô o único naquela cidadela a mijar "made in Nepal" hoje, "made in Argentina" amanhã e pedras depois, "como se urinar fosse a filha da puta de uma intifada, doutor." 

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