
O cliente excelentíssimo é mais aquele de bolsa recheada e cândida, como os herdeiros de Voltaire, ou o eloquente tribuno capaz de um bate-bolas intelectual enquanto decorre a marcha no serpentear das colinas? Tenho para mim que nada supera quem é capaz de se entregar ao ofício de viver e parte a bordo do tuk tuk como um marujo na caravela. Corre a fama de serem os franceses e os belgas, a par e passo, os patos mais apetecíveis, sendo estes os mais dispostos a largar da nota e a entrarem no espírito de pasmado turista, por conta de uma preciosa dica de onde comprar um chalet ou uma maison.
A fama contrária, gozam-na os brasileiros, que se valem da crise, da corrupção, do desterro e da careza dos bilhetes para regatearem o giro ao tostão, sendo raro haver um brasileiro capaz de retribuir a riqueza do passeio. Todo o preconceito peca por defeito quando chega o dia do encontro fraterno e sem despique. Cadão Valpato, esse mesmo, o escritor e jornalista, íntimo dos príncipes das Letras portugueses, instalou-se no tuk tuk com a família e lá fomos em jeito de táxi até aos domínios de Cascais.
Ao passarmos ao largo do forte de S. Julião da Barra mencionei a queda da cadeira de Salazar e de como o país viveu com uma múmia no poder. Todos desconheciam o episódio peripatético do ditador, mas, contrariando a ideia de sermos irmãos desconhecidos, estavam a par do exílio marcelista nas praias de Ipanema.
A conversa entre mim e Cadão seguiu como uma navegação de cabotagem, doce, mansa, apaixonada. Amado para cá, Cardoso Pires para lá, a memória de idas entrevistas como a de Augusto Abelaira, o escritor da plaina séria e serena. Clarice, Sabino, Ferreira Goulart, Ubaldo, Bandeira, Vinicius, Jobim, Zico, Garrincha, Lenine, Renato Russo, foram então saindo com orgulho de mágico como coelhos de uma cartola funda. A afinidade electiva sem nada de pedante fazia do tour uma ode à nau catrineta da literatura.
Cadão agradeceu ao Cabral e eu à mamãe Clarice pela glória do encontro bondoso que como todo o bom viver ultrapassa o entendimento. E aí então no momento da despedida, Cadão contou da corruptela, de Carlos e Adão, tão genial como baptizar um filho com o nome de todos os jogadores do escrete, o goleiro da selecção canarinha ou de Rolamentos de Esferas com Graça do Redentor de apelido.
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