Secções
Entrar
Renato Gomes Carvalho Membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses
28.08.2025

Olhar a sério para o autocuidado

Cuidarmos de nós não é um luxo ou um capricho. Nem é um assunto que serve apenas para uma próxima publicação numa rede social. É um compromisso com a própria saúde, com a qualidade das nossas relações e com o nosso papel na comunidade.

Uma das consequências de estarmos expostos a uma realidade caracterizada pela incerteza, pela mudança em direções imprevisíveis, por ciclos noticiosos de 24 horas, pela digitalização e fluxos constantes de dados, no grande mercado de disputa pela atenção em que aparentemente vivemos, é a sobrecarga e a exaustão que podemos sentir. Uma sensação que pode levar uns a estados de hipervigilância ansiosa e/ou zangada e outros a uma espécie de desligamento emocional e cívico em relação ao mundo.? 

Num contexto com estas características, não admira que o autocuidado seja cada vez mais considerado uma necessidade vital. E, no caso das profissões designadas de ajuda ou dedicadas ao cuidado dos outros, em que os Psicólogos se incluem, seja visto até como uma questão ética. Estes profissionais lidam com elevada exigência emocional, marcada pela necessidade de empatia, de acompanhamento do sofrimento do outro e não poucas vezes em situações de escassez de recursos, o que redunda frequentemente na designada fadiga de compaixão.? 

Mas o autocuidado não pode ser uma palavra gasta ou da moda, nem mais um objeto reluzente que está no grande bazar da saúde mental e do bem-estar a que temos assistido, no qual todo o tipo de personagens tem algo para oferecer. A isto já nos referimos numa outra ocasião e continuaremos a fazê-lo, já que a transformação das questões de saúde mental e bem-estar num assunto pop comporta sérios riscos de banalização, descredibilização, ineficácia e sobretudo de dano para as pessoas. 

O autocuidado corresponde a uma prática consciente e intencional de preservação da saúde do bem-estar e de gestão dos nossos recursos perante um ambiente que nos desafia constantemente. Expressa-se em diversas ações, que vão desde pequenos gestos ou hábitos, como realizar atividades prazerosas ou simplesmente parar para respirar e identificar o que sentimos, até estabelecer limites saudáveis no trabalho e manter relações interpessoais significativas. Mas, acima de tudo, é cuidarmos de nós de forma a respondermos às nossas necessidades psicológicas básicas de sermos competentes ou capazes, autónomos e de termos ligação aos outros.? 

(Aliás, a importância das relações interpessoais com qualidade como pilar do autocuidado não pode ser subestimada. Por exemplo, o conhecido Estudo de Harvard sobre o Desenvolvimento Adulto, conduzido ao longo de várias décadas, demonstrou que o fator mais determinante para uma vida longa e feliz não são os recursos financeiros, o estatuto profissional ou a saúde física, mas sim a qualidade das relações que estabelecemos.) 

E não é apenas uma responsabilidade individual isolada. Os contextos em que vivemos e trabalhamos têm impacto direto no nosso bem-estar, através das condições que podem favorecer o autocuidado. Tal como já afirmámos, uma cultura institucional saudável deve ter o bem-estar como princípio estruturante. 

Cuidarmos de nós não é um luxo ou um capricho. Nem é um assunto que serve apenas para uma próxima publicação numa rede social. É um compromisso com a própria saúde, com a qualidade das nossas relações e com o nosso papel na comunidade. Num tempo marcado pela instabilidade, pela sobrecarga informativa e pela exigência emocional constante, é um ato de responsabilidade e de humanidade. É garantir que, apesar de tudo, preservamos a nossa dignidade.? 

Mais crónicas do autor
28 de agosto de 2025 às 07:00

Olhar a sério para o autocuidado

Cuidarmos de nós não é um luxo ou um capricho. Nem é um assunto que serve apenas para uma próxima publicação numa rede social. É um compromisso com a própria saúde, com a qualidade das nossas relações e com o nosso papel na comunidade.

07 de agosto de 2025 às 07:00

E se a educação sexual fosse feita por influencers?

A escola é um espaço seguro, natural e cientificamente fundamentado para um diálogo sobre a sexualidade, a par de outros temas. E isto é especialmente essencial para milhares de jovens, para quem a escola é o sítio onde encontram a única oportunidade para abordarem múltiplos temas de forma construtiva.

24 de julho de 2025 às 07:00

A minha personalidade no meu telemóvel

No início dos anos 2000, a ideia de uma consulta de psicologia ser feita a distância era algo novo para muitos e certamente não era a prática regular. Vinte anos depois, a discussão já não é apenas sobre teleconsultas ou atos da profissão feitos a distância, que são uma prática comum e válida, mas sobre qual é a extensão do papel das tecnologias da informação e da comunicação na compreensão do comportamento humano e na prestação de serviços de psicologia.

11 de junho de 2025 às 07:00

As cidades-parque-temático

Uma antiga expressão diz que a melhor forma de destruir uma cidade é bombardeá-la ou então congelar as rendas.

28 de maio de 2025 às 07:00

O algoritmo vai ficar com o meu emprego?

Vale a pena promover o desenvolvimento de carreira num mundo tão incerto? Ora, é justamente porque o mundo está como está que, mais do que nunca, o desenvolvimento de carreira e as competências que nele se promovem é essencial.

Mostrar mais crónicas
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!