Está a passar-se alguma coisa com os rapazes?
Se os desafios enfrentados por muitos rapazes são reais e não devem ser ignorados, também é perigoso transformá-los numa narrativa de vitimização que ataca os progressos das mulheres na sociedade, para mais quando persistem indicadores de desigualdade entre sexos, com prejuízo para o feminino.
Nos últimos anos, têm surgido sinais de um declínio no bem-estar entre os jovens. Por exemplo, o World Happiness Report de 2024 indica que, não obstante os jovens entre os 15 e os 24 anos continuarem a relatar maior satisfação com a vida do que adultos mais velhos, essa diferença está a reduzir-se na Europa e já se inverteu nos EUA, o que não decorre do crescimento da satisfação dos mais velhos, mas da diminuição da dos mais novos. Não só por existir normalmente uma expetativa de progressão de geração para geração, mas também pela representação comum da juventude como os anos de florescimento e de possibilidades infinitas, esta perspetiva de os jovens serem menos felizes do que a geração anterior pode gerar alguma angústia e até ser um pouco desconcertante.
Neste âmbito, tem existido especial atenção à realidade do sexo masculino, uma atenção que não decorre apenas de efeitos mediáticos de uma recente série emitida em streaming, mas de indicadores problemáticos em vários países em domínios como o desempenho escolar, a saúde mental, a identidade política, a vida digital e as oportunidades económicas. Estamos naturalmente a falar de comparações médias, que não consideram a diversidade das experiências individuais. Mas essas diferenças significativas e com efeito elevado estão lá.
Na educação, desde o ensino básico até à universidade, os rapazes apresentam, em média, piores resultados, maior taxa de abandono escolar e menos acesso ao ensino superior. Esta diferença tem consequências ao longo da vida, já que menos qualificações traduzem-se em empregos mais precários, rendimentos estagnados e maiores dificuldades no acesso à habitação, sobretudo entre aqueles menos favorecidos social e economicamente. Isto não é um dado novo, mas à medida que o tempo passa, vai-se criando uma diferença maior entre sexos. Essa diferença, tal como um estudo do European Policy Centre revela, não resulta do progresso do sexo feminino, mas de outros fatores como mudanças estruturais no mercado de trabalho.
Na saúde mental, embora as raparigas revelem, em média, maior sofrimento emocional, os rapazes tendem a procurar menos ajuda e a expressar o mal-estar de formas menos adaptativas, por exemplo através de agressividade, do isolamento ou de comportamentos de risco e de passagem ao ato. Estas invisibilidade ou mascaramento dificultam as respostas e reforçam o mito de que os rapazes estão imunes ao sofrimento emocional.
Mas se os desafios enfrentados por muitos rapazes são reais e não devem ser ignorados, também é perigoso transformá-los numa narrativa de vitimização que ataca os progressos das mulheres na sociedade, para mais quando persistem indicadores de desigualdade entre sexos, com prejuízo para o feminino. Isto tem sido terreno fértil para influenciadores digitais e narrativas polarizadoras que oferecem explicações simples e emocionalmente apelativas para frustrações reais, mesmo que ignorem as suas verdadeiras causas. Não é por acaso que um dos efeitos mais visíveis desta tensão é a crescente clivagem ideológica entre rapazes e raparigas da designada Geração Z, desde logo em Portugal, um dos países europeus com maior fosso entre os sexos nas intenções de voto dos jovens.
Perante todos estes indicadores, podemos discutir se se está a passar alguma coisa com os rapazes. Mas provavelmente essa nem é a questão essencial. Até porque falar em rapazes vs raparigas é uma grande simplificação - temos mais diferenças interpessoais dentro de cada um dos sexos, do que propriamente diferenças entre ambos. Todos estes indicadores, que são de risco, devem alertar-nos para a necessidade de ação em diferentes frentes, com benefícios para todos (e não apenas para uns). Por exemplo, as políticas públicas e não só devem responder às necessidades dos jovens, com especial atenção aqueles com menos qualificações, o que inclui acesso à educação, formação profissional, emprego digno e habitação. Afinal, a ausência de uma perspetiva de futuro e de vida com bem-estar, autonomia individual e auto-realização não é propriamente apaziguadora.
Além disso, é necessário que rapazes - mas também raparigas e, na prática, seja quem for - tenham modelos positivos, que valorizem a empatia, o cuidado e a procura de ajuda, e não apenas a força, a competição destrutiva (na linha de eu só ganho se tu perderes) e o silêncio. E no ambiente de convivência em que nos encontramos, com destaque para os ambientes digitais, mais do que nunca isso é central. E, por esse motivo, é ainda fundamental reforçar a literacia emocional e digital dos jovens, preparando-os para pensar criticamente sobre os conteúdos que consomem online e para lidar melhor com frustrações.
O objetivo não é opor o bem-estar dos rapazes ao das raparigas. É perceber que a coesão social depende da capacidade de integrar e apoiar todos os jovens e de uma perspetiva decente de futuro e de vida. O verdadeiro desafio é construir uma sociedade que seja capaz de cuidar de todos, sem colocar uns contra os outros.
Está a passar-se alguma coisa com os rapazes?
Se os desafios enfrentados por muitos rapazes são reais e não devem ser ignorados, também é perigoso transformá-los numa narrativa de vitimização que ataca os progressos das mulheres na sociedade, para mais quando persistem indicadores de desigualdade entre sexos, com prejuízo para o feminino.
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