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Paula Cordeiro Especialista em comunicação
22.09.2025

A repressão nunca é sustentável

Talvez não a 3.ª Guerra Mundial como a história nos conta, mas uma guerra diferente. Medo e destruição ainda existem, mas a mobilização total deu lugar a batalhas invisíveis: ciberataques, desinformação e controlo das redes.

Já lá estivemos, encontrámos forma de sair e parece que estamos, gradualmente, a querer regressar. A normalização da censura leva-nos a lugares que não queremos conhecer, onde muitos não conseguem sequer imaginar o que significa estar. Quem viveu tempos de repressão política e social, num contexto de censura, reconhece os sinais. Mesmo sem ter vivido sob o lápis azul, sei-lhe o peso e conheço outra forma ainda mais insidiosa: a autocensura, um silêncio imposto, o medo de ser marcado, de não caber num consenso forçado. Pode ser pressão social, mas também é medo da perseguição política.

Há dias ouvi um podcast onde três especialistas (em inteligência, armas nucleares e política global) discutiam as maiores ameaças do mundo. Assustador, mas clarificador: estamos em guerra. Talvez não a 3.ª Guerra Mundial como a história nos conta, mas uma guerra diferente. Medo e destruição ainda existem, mas a mobilização total deu lugar a batalhas invisíveis: ciberataques, desinformação e controlo das redes. Informação e contra-informação circulam sem fronteiras; qualquer pessoa pode ser veículo da propaganda. A manipulação psicológica tornou-se arma, e quem controla a narrativa, controla o poder. Civis continuam a sofrer, mesmo quando as cidades permanecem de pé. Carregar num botão pode parar um país e, na penumbra, vence quem mantém a luz acesa. Simultaneamente, a guerra contemporânea tem um campo de batalha digital e a repressão, silenciosa, infiltra-se pelas redes sociais, distorcendo a percepção da realidade, dividindo comunidades até à exaustão.

Joseph Goebbels dizia que uma mentira repetida muitas vezes transforma-se em verdade. Hoje, a repetição não precisa de altifalantes nas ruas, amplifica-se online: grupos de discussão, canais de YouTube e personalidades digitais fomentam polarização, lançam culpas como achas numa fogueira, e o autoritarismo cresce sob a aparência de democracia. É aqui que a nova repressão se instala, minando a nossa capacidade de agir coletivamente.

Para quem já não se lembra ou não sabe, Portugal conheceu o silêncio imposto. O presente mostra-nos como o medo cala mais do que o lápis azul, como a repressão é sempre acompanhada da autocensura, da desistência em falar. Do desinteresse e do deixa andar. Esta semana, nos EUA, um episódio televisivo mostrou como o risco se mantém vivo: Jimmy Kimmel foi retirado do ar indefinidamente depois de comentários sobre o assassinato do influenciador conservador Charlie Kirk, no Utah. O apresentador acusou a Maga gang de querer explorar politicamente a tragédia, e rapidamente se viu criticado e afastado. O que interessa Kirk ou Kimmel? Aparentemente, nada. Na verdade, tudo, porque Trump aproveitou o momento para sugerir que algumas televisões deveriam ver as suas licenças retiradas, reforçando a lógica do “quem não está comigo, está contra mim”. Onde já vimos isto? 

Este é um episódio muito ao estilo americano, mas é também um sinal de como a liberdade de expressão pode tornar-se refém de interesses políticos, empresariais e tecnológicos, não estivessem os CEOs das maiores empresas de tecnologia envolvidos na questão. É também um exemplo de como a censura se normaliza sem darmos por isso. A repressão nunca é sustentável. Mas pode durar o suficiente para destruir uma geração inteira de pensamento livre. A pergunta é: teremos lucidez para reconhecer os sinais antes que seja tarde demais?

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