
Um em cada três refugiados e migrantes que atravessam a Europa são crianças.
Pela primeira vez desde que a actual crise humanitária atingiu esta fase aguda, há mais crianças e mulheres do que homens em movimento.
Os homens vieram primeiro, abrindo caminho para depois, muitas vezes ao abrigo das leis europeias que prevêem o reagrupamento familiar, trazer a família ou para se estabelecer preparando o caminho para que quem ficou para trás se junte a eles. A estória de milhares de migrantes e refugiados por todo o mundo.
E se muitos deles enfrentam uma sociedade que se fecha sob o manto de mitos, ideias feitas e muito medo, as crianças, as nossas crianças, são recebidas de braços abertos numa Europa que as olha como o presente e o futuro da humanidade.
Esta semana a Europa acordou para uma realidade que não é nem nova, nem exclusiva deste continente, mas que deve fazer soar todos os sinais de alarme: as autoridades europeias não sabem onde estão 10.000 crianças não acompanhadas identificadas à entrada no continente. Perderam-lhes o rasto. A 5000 em Itália e a cerca de 1000 na Suécia.
E são estimativas modestas, como a própria Europol assume. As contas são simples de se fazer: entraram na Europa cerca de um milhão de pessoas, dessas 27% são crianças, ou seja, 270.000; portanto, extrapolando dos números do que se conhece de agora, mas também de registos anteriores, chega-se aos 10.000 e à assunção de que o valor peca por defeito.
Em Outubro do ano passado, a Suécia já havia dado o alerta: mais de 1000 crianças refugiadas não acompanhadas, depois de terem entrado no país pelo porto de Trelleborg, tinham desaparecido no mês seguinte. E, mais recentemente, um outro relatório sueco denuncia que muitos menores refugiados não acompanhados teriam desaparecido e que haveria pouca informação sobre o que lhes teria acontecido.
O Reino Unido, por exemplo, reconhece que o número de crianças não acompanhadas que desaparece, depois de ter entrado no país como requerente de asilo, duplicou ao longo do ano passado, temendo que possam ter sido vítimas de redes criminosas.
A Europol diz-nos que muitas destas crianças terão sido reunidas com as suas famílias; a questão fulcral, contudo, é não sabermos onde estão, com quem estão e o que fazem.
E isto é, de per si, uma falha inqualificável do sistema europeu de asilo, revelando que a infraestrutura criminosa que se foi desenvolvendo ao longo dos últimos 18 meses para explorar o fluxo de pessoas em movimento, como lhe chamou Brian Donald da Europol, é uma ameaça aos refugiados e migrantes e também às leis e regulamentos europeus.
E numa nota crescente de preocupação com esta actividade criminosa, há hoje provas de que as redes que introduzem ilegalmente os migrantes e refugiados na Europa estão a cooperar, através das fronteiras, com redes de tráfico humano para uma exploração dessas pessoas já em território europeu. Fugindo da morte, traficados ilegalmente para dentro da Europa são depois vendidos a redes que os exploram para trabalho sexual e escravatura, numa tripla vitimização que já está identificada. Com a Europol a reconhecer que tem provas de que algumas crianças refugiadas tenham sido exploradas sexualmente na Europa
As nossas crianças desaparecidas são oriundas de zonas em conflito, viajam sem acompanhamento parental, entregues a outros familiares ou a agentes que não conheciam. São, de facto, os mais vulneráveis entre os vulneráveis a atravessar a Europa.
Chegam a países com os quais tinham pouco ou nenhum contacto e o choque cultural é o primeiríssimo desafio. Seguem-se as barreiras linguísticas, as dificuldades de integração e de construção de confiança, aliadas ao trauma de terem viajado sozinhas, fugindo dos conflitos e das violações dos direitos humanos.
Muitas destas crianças perderem a família mais próxima, estiveram em campos de refugiados e em países onde tinham que trabalhar para se sustentar e às suas famílias e chegam à tal Europa que alguém lhes narrou como um oásis de segurança e bem-estar, mas onde as autoridades lhes perderam o rasto.
É só um tom mais forte para a hipocrisia que nos caracteriza.
Para poder adicionar esta notícia deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da SÁBADO, efectue o seu registo gratuito.
Marketing Automation certified by E-GOI
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução na totalidade ou em parte, em qualquer tipo de suporte, sem prévia permissão por escrito da Cofina Media S.A.
Consulte a Política de Privacidade Cofina.