Sábado – Pense por si

Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
04 de abril de 2025 às 07:00

Os jovens que odeiam as mulheres: A radicalização da juventude masculina

A comunidade de jovens intitulados de "célibes involuntários" têm dificuldades em estabelecer relações românticas ou sexuais e ao seu insucesso ou dificuldades pessoais é atribuída uma culpa externa, designadamente a estrutura social feminista, que os impede de ser bem-sucedidos.

Se temos assistido, nos últimos anos, a uma disseminação e generalização de valores que preconizam a igualdade racial, cultural e de género, temos, por outro lado, assistido a um crescente e ignóbil retrocesso moral, onde o machismo tóxico e a xenofobia têm vindo a reconquistar terreno na mente e comportamentos das pessoas, sobretudo dos mais novos.

Sem dúvida que o fenómeno da agressividade e violência nos jovens tem sido um dos temas mais debatidos e mediáticos das últimas semanas, desde o recente episódio de três jovens suspeitos de violar uma rapariga em Loures, à incrível popularidade da série "Adolescência", que chocou pela realidade que retrata, desta jovem geração. A reforçar a atualidade deste tema, dados já divulgados do Relatório Anual de Segurança Interna apontam para um aumento da criminalidade juvenil na ordem dos 12%.

Parece-nos premente, como tal, reportar-nos ao que parece estar, efetivamente, a acontecer com estes jovens (maioritariamente) rapazes e que poderá justificar, em parte, o aumento significativo de casos de violência sexual ou outros crimes violentos contra mulheres nos últimos anos. Estamos a assistir à génese de uma geração mais retrógrada? Mais machista? Mais violenta? Ora veremos.

No estudo da chamada "masculinidade tóxica" e agressão contra mulheres, que tem ganho relevo, nas últimas décadas, nas áreas da psicologia, sociologia e estudos de género, somos invariavelmente remetidos para a crescente comunidade de jovens rapazes cujo campo de atuação é, maioritariamente, as redes sociais. Em particular, a comunidade de jovens intitulados de "célibes involuntários" (em inglês "involuntary celibates"), mais conhecidos por Incels, desempenha um papel principal no que remete para a capacidade de compreendermos o modo como a masculinidade tóxica se tem expressado e sido perpetuada entre os jovens.

Este termo denota jovens que têm dificuldades em estabelecer relações românticas ou sexuais e que, ao seu insucesso ou dificuldades pessoais é atribuída uma culpa externa, designadamente a estrutura social feminista, que os impede de ser bem-sucedidos. Há um desejo de terem uma parceira amorosa, mas, em simultâneo, as suas crenças negativas acerca das mulheres, assim como a sua repulsa em terem relações com mulheres não convencionalmente atraentes, contribuem para esta sensação de solidão e para a perpetuação da crença de que os outros é que são responsáveis pelas suas dificuldades. Ao atribuírem a culpa do seu insucesso a fatores externos, por sua vez, recusam mudar os seus valores, estilo de vida e comportamentos, impossibilitando a mudança. Como tal, no que respeita ao seu funcionamento psicológico, estudos têm demonstrado que jovens pertencentes a estas comunidades online tendem a reportar sintomas depressivos, ansiedade, ideação suicida, assim como descrevem sentimentos intensos de solidão, tristeza e insatisfação com a vida.

Se por um lado, reconhecemos que os jovens não são, atualmente, mais predispostos à violência, temos, por outro, de reconhecer que todos os adolescentes são permeáveis à influência dos seus pares. Se os seus pares, na internet, manifestarem e reforçarem valores com base no machismo e no ressentimento em relação à mulher, como é o caso da ideologia Incel, então esses mesmos valores serão absorvidos e assimilados pelos jovens, por mais que os pais e escola tentem o contrário (isto é, quando estão, realmente, atentos a estes estímulos).

Dá-se, então, uma subscrição de ideologias extremistas, misóginas e, por vezes, violentas. Estes jovens, emaranhados nestes valores, adotam uma perspetiva determinista do mundo: as mulheres só se sentem atraídas por um número reduzido de homens, isto é, os bem-sucedidos e atraentes, e nada podem fazer para mudar esta realidade. Passam a frequentar um ambiente que vitimiza os homens e que os perspetiva como vítimas de opressão do feminismo, que devem combater.

As redes sociais, em particular os fóruns online, constituem plataformas fulcrais para a disseminação destas ideologias. Através do anonimato que conferem, permitem a propagação de crenças baseadas no ódio, sem consequências. Ademais, os algoritmos destas plataformas, cada vez mais sofisticados e ajustados aos interesses de cada um, significam que é criada uma espécie de "câmara de eco": ao seguir um determinado tópico ou grupo, todo o conteúdo subsequentemente apresentado aos jovens vai remeter, precisamente, para esse tópico. Se o jovem seguir um grupo de Incels, então todo o conteúdo que ele irá ser exposto daí adiante terá como base os interesses desses grupos.

Sabemos que uma das formas mais eficazes de combatermos o preconceito é expormo-nos aos grupos sobre os quais temos crenças distorcidas negativas. Contudo, este efeito de "eco" leva a que a exposição a diferentes pontos de vista e interesses seja praticamente impossível, perpetuando, reforçando, ampliando e cristalizando estes valores. Estamos perante uma polarização e extremismo ideológico, com uma redução de pensamento crítico. No final de contas, se à minha volta todos partilham a minha opinião, então devo ter razão, certo? No fundo, trata-se do que há muito a psicologia chama de enviesamento confirmatório, onde rege uma tendência para lembrar, interpretar ou pesquisar apenas informações que confirmem as nossas crenças ou hipóteses iniciais.

O crescimento destas comunidades online é de grande preocupação, não só pela mensagem que propagam, mas também pelos atos de violência, online e presencial, que geram.

É, como tal, imperativo que os cuidadores dos jovens estejam mais atentos ao conteúdo que estes consomem online, sobretudo no que respeita à sua presença nas redes sociais. Quem sabe, poderão ser membros destes grupos.

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