Sábado – Pense por si

Cátia Moreira de Carvalho
Cátia Moreira de Carvalho Investigadora
10 de janeiro de 2024 às 08:58

O extremismo em 2024

Os ataques do Hamas mostram que, muitas vezes, a violência extremista pode vir de onde menos se espera e desviar atenções e esforços. A surpresa dos ataques de 7 de outubro levou os especialistas a reavaliar suas perspetivas sobre as ameaças predominantes, nomeadamente o jihadismo.

O início deste novo ano difere significativamente do anterior: no que diz respeito extremismo, 2023 teve um começo tranquilo, com os pontos de conflito identificados e controlados. No entanto, terminou com um aumento notável da violência no Médio Oriente, algo que não se observava há algum tempo. Os ataques terroristas do Hamas de 7 de outubro desviaram as atenções do conflito na Ucrânia para Gaza, numa guerra que não parece ter fim.

Na semana anterior a estes ataques, estive numa reunião da Radicalisation Awareness Network, em Bruxelas, e lembro-me de alguns especialistas referirem que o jihadismo estava em decadência e não era mais a ameaça que outrora fora. Contudo, o Hamas e as suas células vieram contrariar em força esta convicção. Não só no Médio Oriente, mas também na Europa, o jihadismo continua bastante presente. Nos dias seguintes ao 7 de outubro, França e Bélgica foram alvo de ataques e, nesta sequência, vários países da União Europeia elevaram o nível de ameaça. Mais recentemente, em dezembro, um grupo de homens com ligações ao Hamas foi detido na Alemanha, Países Baixos e Dinamarca, sob ameaça de prepararem ataques em nome do Hamas na Europa – se tal tivesse acontecido, seria a primeira vez que o Hamas atuaria no ocidente. Por esta razão, a Europa entrou no novo ano com as autoridades em alerta. 

Outro problema sem resolução à vista e que importa falar em 2024, refere-se aos milhares de homens, mulheres e crianças presos em campos de detenção na Síria e afiliados ao Daesh. Uma vez ouvi um professor do King’s College London dizer "não sabemos se o próximo Bin Laden está a ser criado num campo de detenção na Síria". Com os acontecimentos recentes, pergunto-me se essa analogia não poderá ser feita também com Gaza.

Ainda sobre o jihadismo, nos últimos anos, África tem-se tornado o epicentro global do terrorismo jihadista, registando em julho de 2023 o maior número de mortes alguma vez observado. Células ligadas à Al Qaeda e ao Daesh, e também o Al Shabaab, têm vindo a cometer ataques em vários países, concentrados sobretudo na região do Sahel e do Corno de África. Aproveitando-se da fragilidade de alguns estados, de forças de segurança com recursos limitados, de queixas das comunidades locais e da presença de líderes extremistas carismáticos, as organizações terroristas têm gradualmente ampliado as suas operações para novas regiões e fortalecido suas posições em diversas áreas do continente africano, tendência que se vai manter em 2024.

Outras formas de extremismo, designadamente a extrema-direita e a extrema-esquerda, continuam a preocupar as autoridades. Desde a pandemia, em 2020, que se vem observando um acentuar da narrativa da "resistência contra o opressor", que encontra eco em todas as formas de extremismo e contribui para polarizar ainda mais a sociedade. Com a emergência da inteligência artificial, as campanhas de desinformação e as teorias da conspiração, principalmente contra figuras democráticas e minorias, o potencial de resultar em violência política e extremista parece elevado. Agravando o cenário, 2024 vai ser um ano de eleições importantes (sobretudo na União Europeia, nos Estados Unidos da América e na Índia), em que partidos e líderes associados à direita radical populista podem ser eleitos, ou, caso não sejam, podem contribuir para a normalização de uma narrativa iliberal, contra os valores e direitos fundamentais. Esta narrativa pode alimentar e galvanizar movimentos de extrema-direita, levando-os a sentir maior legitimidade em praticar violência para impor a sua ideologia. Ainda importa referir os casos de atores isoladas, motivados por uma ideologia supremacista branca, que se inspiram em Anders Breivik ou Brenton Tarrant, e que são muito mais difíceis de prevenir e combater, dada a sua imprevisibilidade.

Por outro lado, movimentos anarquistas e de extrema-esquerda podem continuar a sua atividade extremista, particularmente usando e deturpando a legítima causa da defesa ambiental. Vários analistas têm alertado para o aumento esperado da violência extremista por parte de ativistas contra os setores da energia, agricultura e transportes, numa tentativa de instigar uma mudança nas políticas climáticas.

Acabo este artigo como comecei. Os ataques do Hamas mostram que, muitas vezes, a violência extremista pode vir de onde menos se espera e desviar atenções e esforços. A surpresa dos ataques de 7 de outubro levou os especialistas a reavaliar suas perspetivas sobre as ameaças predominantes, nomeadamente o jihadismo. Este processo de reavaliação e crítica deve ser contínuo, dada a natureza de constante mutação do terrorismo transnacional. O processo é contínuo e as ameaças mais evidentes estão identificadas. Resta agora continuar os esforços de prevenção e combate ao extremismo. E nisto, toda a sociedade é responsável por tornar 2024 um ano mais pacífico e seguro.

Mais crónicas do autor
08 de maio de 2024 às 07:00

Migrações, o elefante na sala

Não é por serem imigrantes que são criminosos ou que têm maior propensão para tal. Por isso, e porque alguma criminalidade que possa existir está associada a falta de respostas, é urgente agir com soluções humanistas e realistas para os imigrantes que procuram o nosso país para viver.

23 de abril de 2024 às 23:00

A ironia dos 50 anos do 25 de Abril

Honrar o 25 de abril passaria por combater estes movimentos e partidos localizando a origem e traçando o caminho do dinheiro que os alimenta e que pretende destruir os valores que revoluções como o 25 de abril trouxeram às muitas pessoas que acreditam na democracia e aos seus herdeiros.

27 de março de 2024 às 07:45

A importância dos dias

Com o surgimento de movimentos radicais e a inclinação de certos países e parlamentos para uma direita radical populista, acompanhada por uma higienização na linguagem que até recentemente era inaceitável, há de novo a necessidade de falar em assuntos que deviam estar arrumados há muito numa gaveta.

13 de março de 2024 às 08:32

Portugal e 48 deputados: era uma questão de tempo

Sempre houve e sempre haverá quem tenha uma visão nacionalista, reacionária, extremista, e discriminatória em relação a grupos sociais. Apesar de ajudar a explicar a percentagem de votos no Chega, este tipo de eleitores tem pouca expressão e vive nas margens do eleitorado comum.

21 de fevereiro de 2024 às 07:00

A masculinidade tóxica normalizada no quotidiano

Mas o que leva os homens a aderirem mais a este tipo de grupos e partidos que defendem uma masculinidade tóxica?

Mostrar mais crónicas