Sábado – Pense por si

Cátia Moreira de Carvalho
Cátia Moreira de Carvalho Investigadora
27 de março de 2024 às 07:45

A importância dos dias

Com o surgimento de movimentos radicais e a inclinação de certos países e parlamentos para uma direita radical populista, acompanhada por uma higienização na linguagem que até recentemente era inaceitável, há de novo a necessidade de falar em assuntos que deviam estar arrumados há muito numa gaveta.

No mês de março, duas datas internacionais de grande importância foram celebradas, talvez com uma relevância ainda maior nos dias atuais. Infelizmente, esses dias passaram despercebidos em grande parte, no meio da convulsão política nacional. Contudo, é justamente por causa dos desenvolvimentos políticos que desejo abordar essas datas.

A 15 de março de 2019, um ataque terrorista em Christchurch, perpetrado por um extremista supremacista branco, ceifou a vida de mais de 51 pessoas e deixou mais de 40 feridas. A sua única motivação era exterminar pessoas muçulmanas, alimentada pela teoria da conspiração da Grande Substituição. O impacto foi avassalador. A Nova Zelândia, considerada um dos países mais seguros do mundo, foi abalada por um ataque de proporções inimagináveis, chocando não apenas a comunidade local, mas também o mundo inteiro. A barbárie atingiu um ponto tal que o ataque nas duas mesquitas foi transmitido ao vivo pelas redes sociais. Este ato selvagem, impulsionado pelo ódio e pela adesão a teorias conspiratórias, revelou uma falha na capacidade de antecipação de ataques desta dimensão. Esta é uma das lamentáveis facetas do extremismo e do terrorismo: a discussão só ganha destaque após a tragédia, e apenas os números trágicos são contabilizados - quase nunca os números de acontecimentos positivos são partilhados. Como costumo dizer, se fosse possível prever, não seria terrorismo, pois perderia uma de suas principais características: a capacidade de surpreender e causar um impacto psicológico profundo na sociedade. Devido a este ataque, em 2022, as Nações Unidas decretaram o dia 15 de março como o Dia Internacional do Combate à Islamofobia. 

A 21 de março de 1960, centenas de pessoas se manifestaram contra o aprofundamento das leis de Apartheid na África do Sul, que apenas intensificariam a discriminação racial. A polícia abriu fogo contra a multidão, resultando em 69 mortes e 180 feridos, incluindo crianças. Esse trágico evento ficou conhecido como o massacre de Sharpeville e desde então é lembrado anualmente como feriado na África do Sul. Em 1966, as Nações Unidas designaram o dia 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

Embora essa data passe quase despercebida aos olhos do mundo,ainda esta semana testemunhámos na televisão um jogador de futebol, Vinícius Júnior, a chorar e a lamentar a sua falta de vontade de jogardevido aos constantes insultos racistas que enfrenta na Espanha e que existem um pouco por todo o mundo. 

Há, de facto, uma profusão de datas internacionais que celebram ou homenageiam eventos marcantes da História. São tantas que se torna praticamente impossível recordar e reconhecer todas na medida que talvez mereçam. No entanto, algumas delas merecem destaque especial devido a diversas circunstâncias. Para mim, os dias 15 e 21 de março deveriam ter sido amplamente divulgados, dada a crescente necessidade de estabelecer limites claros entre o que é razoável, tolerável e aceitável na sociedade contemporânea democrata e plural. Com o surgimento de movimentos radicais e a inclinação de certos países e parlamentos para uma direita radical populista, acompanhada por uma higienização na linguagem que até recentemente era inaceitável, há de novo a necessidade de falar em assuntos que deviam estar arrumados há muito numa gaveta. Assuntos que deviam ser celebrados por terem sido erradicados, e não porque ainda é preciso empreender esforços para combater os seus problemas de base.

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