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Cátia Moreira de Carvalho
Cátia Moreira de Carvalho Investigadora
08 de maio de 2024 às 07:00

Migrações, o elefante na sala

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Edição de 5 a 11 de agosto

Não é por serem imigrantes que são criminosos ou que têm maior propensão para tal. Por isso, e porque alguma criminalidade que possa existir está associada a falta de respostas, é urgente agir com soluções humanistas e realistas para os imigrantes que procuram o nosso país para viver.

As migrações são um tema fraturante e complexo. Quase todos têm opinião - uns partilham; outros preferem poli-la; e outros, que são a parte mais importante, preferem evitar. Eu costumo dizer que as migrações são, por isso, o elefante na sala. Portugal teve eleições há dois meses e quem se apropriou do tema foi o partido de direita radical populista e o seu líder. O que não é surpresa. Há muito que a extrema-direita e os populistas têm como um dos seus temas fetiche os imigrantes, acusando-os de serem os culpados dos mais variados problemas dos seus países.

Escrevo esta crónica dentro do avião, depois de ter participado numa conferência da Radicalisation Awareness Network, da Comissão Europeia. Não se falou diretamente de migrações e a razão é simples: as migrações não são um assunto de segurança, mas de humanismo, tolerância, abertura e respeito. Mas falou-se de forma indireta. As várias teorias da conspiração – algumas já bem velhinhas como a da Grande Substituição, que remonta aos inícios do século XX - que são reproduzidas e higienizadas pela extrema-direita e direita radical populista foram um tema largamente falado.

Quase todas as conspirações que são papagueadas pela direita que vive nas margens do espetro político utilizam os imigrantes como bode expiatório e como meio de exploração do medo, da perceção de ameaça e, na minha opinião, para abafar a fraude que esta direita é. Na base de tudo isto está o ódio. As soluções que oferecem são a deportação – ou como agora preferem dizer, a re-migração, que defende a devolução de todos os estrangeiros ao seu país de origem, como forma de "salvação" e restauração da "pureza nacional". Não é irónico como esta a direita radical e extrema tanto critica o politicamente correto, mas depois vê-se obrigada a polir as expressões que usa para veicular propostas horrendas?

As migrações são um tema sensível. Estamos a falar de pessoas, não de números, e precisamos de respostas concretas, eficazes, implementadas de acordo com as necessidades específicas de cada caso e, muito importante, alicerçadas na evidência científica e avaliadas. O facto de os políticos do centro moderado – lá está, talvez a parte mais relevante deste debate – evitarem este tema ou não falarem dele de uma forma responsável, factual e que ofereça respostas não apenas de inclusão social para os imigrantes, mas também à população local, é um problema que faz com que a direita radical populista se ache dona deste tema, a voz do povo contra os imigrantes e a única que defende a população local. É assim que ganha votos e é também assim que os imigrantes – que são pessoas – são desumanizados e demonizados, levando a que a linha fina, que muitas vezes separa a direita radical populista da extrema-direita, se esbata e dilua uma na outra.

Mas, antes de terminar esta crónica, quero tocar num ponto que é importante e que é o outro lado da moeda. As migrações não são um assunto de segurança, mas isso não significa que os imigrantes nunca cometam ilegalidades ou crimes. Lá está, são pessoas. E como todas as pessoas – imigrantes ou não – são passíveis de incorrer em ilegalidades. Mas, como tenho vindo a dizer incansavelmente, isto não é a norma. Não é por serem imigrantes que são criminosos ou que têm maior propensão para tal. Por isso, e porque alguma criminalidade que possa existir está associada a falta de respostas, é urgente agir com soluções humanistas e realistas para os imigrantes que procuram o nosso país para viver. E aqui é preciso que toda a sociedade esteja envolvida, a começar pela vontade política dos partidos moderados, passando pela sociedade civil e a academia, e também pela consciencialização coletiva do tema. Muitos recursos e meios já existem, basta apenas utilizá-los de forma eficiente e articulada.

Um último ponto: os imigrantes que são o bode expiatório da direita radical ou extremista são aqueles de cor, religião e etnia diferentes. São aqueles que, muitas vezes, vivem nas margens, são invisíveis, não conhecem a língua e, por isso, encontram-se numa situação mais precária e de difícil acesso a justiça e igualdade de direitos. Também por isto, é necessário agir.

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