Seis meses depois de um assédio que ninguém ouviu, Mariana acabou por morrer
A mãe da médica encontrada morta nas instalações de um centro de saúde de Chiapas, no México, relata o "inferno" que a filha viveu e denuncia a indiferença das autoridades de saúde que não ouviram os pedidos de ajuda da jovem de 26 anos.
Mariana Sánchez tinha 26 anos quando foi trabalhar para uma clínica num município rural em Chiapas, no México. Ia, durante um ano, fazer um internato de medicina. Sozinha e quase sem conseguir falar com a família – ao espaço, anexado ao centro de saúde, que lhe tinham arranjado para dormir não chegava rede móvel –, começou a ser assediada por um colega. Na passada quinta-feira apareceu morta e as autoridades não explicam os detalhes da sua morte. Mas a mãe garante: "Não se suicidou, foi assassinada".
Mariana foi para o centro de saúde de Nueva Palestina em agosto do ano passado. Mal chegou ao quarto que lhe disponibilizavam, teve vontade de fugir. Viu, num quarto sem cama, baratas no chão. Para chegar à casa de banho, que iria partilhar com os restantes colegas, tinha que atravessar um descampado. "Aquilo era um inferno", contou ao El País a mãe da jovem, María de Lourdes Dávalos.
Pouco tempo depois contou à mãe que um colega a assediava. Apesar de quase não conseguir comunicar com a filha, esta prometeu-lhe que ia pedir uma mudança de turno à diretora da clínica para se conseguir afastar do homem.
Cerca de três meses depois de ter começado a trabalhar, Mariana Sánchez contou que a pessoa que a assediava tinha forçado a porta do seu quarto, enquanto a enfermeira com quem vivia não estava, tinha-se deitado ao seu lado enquanto dormia e tinha tentado abusar sexualmente dela. A mãe acredita que o episódio possa ter sido pior mas que a filha não a quis preocupar.
A jovem contou o que se tinha passado à responsável do centro de saúde. Chegou a apresentar demissão, mas esta não foi aceite. Disseram-lhe que precisavam dela ali e que tirasse uns dias para descansar e superar o trauma. As autoridades sanitárias de Chiapas enviaram, entretanto, um comunicado a negar que tivessem tido conhecimento de um caso de abuso sexual.
O regresso ao trabalho foi um martírio, garante a mãe. Mariana tinha medo que se o colega que a assediava fosse despedido se tentasse vingar. "Insisti que se despedisse, mas ela queria terminar o trabalho e começar a exercer como médica. Esteve meses à espera de uma mudança de turno que nunca chegou. Ninguém a ouviu", relembra.
No dia antes de morrer, Mariana Sánchez tinha as malas feitas. Ia, como todos os fins de semana, para a sua casa em Tuxtla. A mãe recorda-se da última conversa que teve com a filha: "Estava muito ansiosa, mais que o normal. Tinha muita pressa e percebi que estava angustiada. Respondeu-me a chorar. Insistia que a estavam a assediar e que ia voltar a falar com a diretora do centro. Ficámos de falar quando acabasse o turno mas já não aconteceu".
Na passada quinta-feira, Mariana foi encontrada enforcada no quarto onde dormia. Uma semana após a morte da filha, María de Lourdes não tem informações sobre a investigação que num primeiro momento o Ministério Público encerrou por concluir que a jovem tinha acabado com a própria vida mas reabriu após a pressão social que explodiu no país. Agora, um possível feminicídio está a ser investigado.
No dia seguinte à sua morte, o corpo de Mariana Sánchez foi cremado. A mãe assegura que não autorizou nem assinou nenhum consentimento para a cremação.
Apesar de o caso ainda estar a ser investigado, Mariana converteu-se no novo rosto da tragédia dos feminicídios no México. Neste país mais de dez mulheres são assassinadas por dia, e menos de 90% dos casos são resolvidos.
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