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RCA: Milicías anti-Balaka abandonam processo de desarmanento

14 de dezembro de 2018 às 22:25

As milicías desistiram do processo iniciado em 2017, com apoio da Organização das Nações Unidas, após a detenção de um dos seus líderes em França, Patrice-Edouard Ngaïssona.

Dois dos principais movimentos das milícias designadas anti-Balaka, da República Centro-Africana (RCA), decidiram esta sexta-feira sair do processo de desarmamento criado em 2017, depois da detenção de um dos seus líderes em França, Patrice-Edouard Ngaïssona.

"Constatamos que só os anti-Balaka são julgados e condenados", escreveu-se num comunicado do grupo de Ngaissona, que também questionou: "Por que são só os anti-Balaka a serem visados pela justiça?".

Em comunicado separado, um outro ramo dos anti-Balaka, dirigido por Maxime Mokom, denunciou "uma caça às bruxas".

Em consequência, as duas facções apelaram aos seus representantes para que abandonassem o processo de desarmamento, desmobilização e reintegração, cuja primeira fase foi instituída em 2017, com o apoio da Organização das Nações Unidas.

Patrice-Edouard Ngaissona foi detido na quarta-feira, depois de ter sido emitido em mandado de detenção em seu nome pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), pela sua alegada responsabilidade em crimes de guerra e contra a humanidade, praticados no oeste da RCA, entre Setembro de 2013 e Dezembro de 2014.

Ex-coordenador dos anti-Balaka, Ngaissona foi também um dirigente do futebol centro-africano e africano.

A sua detenção ocorreu menos de um mês depois da de um outro antigo chefe miliciano anti-Balaka, Alfred Yekatom, também por ordem do TPI.

"Fizemos prova de boa vontade. Dialogámos. Não percebemos", afirmou o coordenador das operações dos anti-Balaka, Dieudonné Ndomate, à AFP.

Acentuou ainda que "as pessoas nos bairros [de Bangui] estão em cólera".

Um outro líder anti-Balaka, Sébastien Wenezoui, porta-voz de Ngaissona, apelou, contudo, à contenção.

"Vamos continuar no processo de paz da União Africana", garantiu, mas realçando que "o movimento anti-Balaka foi uma resposta aos abusos da Séléka", designação do antigo movimento rebelde associado aos muçulmanos.

Considerou que a detenção de Ngaissona "é um incentivo ao levantamento contra o regime atual", razão pela qual disse que apelava "à contenção de todos os anti-Balaka".

Apesar deste apelo à calma, houve esta sexta manifestações de anti-Balaka em pelo menos dois bairros de Bangui, em particular contra a França, antiga potência colonial acusada de ter abandonado a RCA, segundo várias fontes.

Criadas em 2013, depois da tomada de poder pelos rebeldes da Séléka, as milícias anti-Balaka pegaram em armas, invocando interesses dos cristãos e promovendo represálias pelos ataques dos grupos armados considerados sob orientação muçulmana.

Depois da queda do Presidente Michel Djotodia, que veio das fileiras da Séléka, em 2014, os anti-Balaka lançaram-se numa caça aos muçulmanos na capital da RCA e arredores, provocando centenas de mortos.

Portugal participa na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA, comandada pelo tenente-general senegalês Balla Keita, que já classificou as forças portuguesas como os seus "Ronaldos".

"Ronaldo é o melhor jogador do mundo e quando as nossas tropas são classificadas de 'Ronaldos' isso tem uma leitura muito clara. Sentimos orgulho pela forma como o seu trabalho é reconhecido", disse o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, à agência Lusa.

Portugal tem actualmente 214 militares empenhados em missões na RCA, dos quais 159 na MINUSCA - uma companhia de para-quedistas e elementos de ligação -, e 45 na missão da União Europeia de formação e assessoria às Forças Armadas da RCA.

A República Centro-Africana caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por vários grupos juntos na designada Séléka (que significa coligação na língua franca local), o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.

O conflito neste país, com o tamanho da França e uma população que é menos de metade da portuguesa (4,6 milhões), já provocou 700 mil deslocados e 570 mil refugiados, e colocou 2,5 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária.

O Governo do Presidente Faustin-Archange Touadéra, um antigo primeiro-ministro que venceu as presidenciais de 2016, controla cerca de um quinto do território.

O resto é dividido por 18 milícias que, na sua maioria, procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.

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