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Mais de seis mil pessoas estão desaparecidas em Gaza

Andreia Antunes 12 de julho de 2024 às 16:14

A guerra sem tréguas, associada às restrições de movimento e às falhas de comunicação, criou desafios significativos ao controlo e à localização de pessoas desaparecidas, estimando-se ainda que o número real de mortos seja 186 mil.

Cerca de 6.400 palestinianos que estão dados como desaparecidos pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) desde o início da guerra em Gaza, a 7 de outubro de 2023, ainda não foram encontrados.

REUTERS/Hatem Khaled

Muitos dos desaparecidos poderão estar presos debaixo dos escombros, enterrados sem identificação ou até mesmo detidos por Israel, enquanto outros foram separados dos seus familiares, que não conseguem contactar.

Desde abril, foram registados cerca de 1.100 novos casos de pessoas desaparecidas, que continuam por resolver, segundo o CICV. "Todas as semanas podemos receber entre 500 e 2.500 chamadas para as nossas linhas diretas e a maior parte delas são pedidos de familiares desaparecidos", disse Sarah Davies, porta-voz do CICV ao jornal britânico The Guardian. "Infelizmente, nestas situações caóticas, as pessoas podem separar-se facilmente. As pessoas estão em pânico, por vezes está escuro e é difícil ver, se houver explosões nas proximidades, as pessoas fogem e perdem-se umas das outras."

Já sobre os pedidos, Sarah Davies refere que aumentam dependendo da situação nas várias áreas em Gaza: "Se houver hostilidades perto de um grande número de pessoas, ou se forem emitidas instruções de evacuação, os nossos operadores das linhas diretas recebem mais chamadas com pedidos de localização nas horas e dias seguintes."

Outro fator que pode fazer com que o número de desaparecidos aumente passam pelos feridos que quando são levados para o hospital, podem perder contacto com os familiares. Isto deve-se ao facto de, numa zona de guerra, as comunicações são perturbadas, e com ataques a hospitais, complicaram-se os esforços do pessoal médico para registar as vítimas e identificar os mortos.

A guerra sem tréguas, associada às restrições de movimento e às falhas de comunicação, criou desafios significativos ao controlo e à localização de pessoas desaparecidas.

Ainda assim, de acordo com um relatório do Save the Children, até à data, pelo menos 21 mil crianças foram dadas como desaparecidas. Este número inclui cerca de 17 mil crianças desacompanhadas ou separadas das suas famílias, e cerca de 4 mil que podem estar debaixo dos escombros, detidas pelos soldados israelitas, ou enterradas em valas comuns.

Desde 7 de outubro, o CICV reportou mais de 8.700 palestinianos desaparecidos em Gaza e contactou 7.429 famílias para recolher informações. Apenas cerca de 2.300 casos foram resolvidos, o que significa que as famílias encontraram seus parentes, vivos ou mortos.

Abu Ali Zahir perdeu 23 membros da família quando o edifício residencial de três andares onde viviam foi destruído por um ataque aéreo israelita. Dezasseis corpos foram retirados dos escombros cerca de 60 dias após o ataque, mas outros sete ainda não foram encontrados.

"Não creio que nenhum dos sete membros da família que ainda estão debaixo dos escombros esteja vivo", afirmou. "Queremos dar-lhes um enterro digno. A dor pela qual a família passou é insuportável."

"Sabemos, com base no nosso trabalho em zonas de conflito em todo o mundo, que a dor mais dolorosa que as pessoas sentem é serem separadas de um ente querido sem saberem onde ou como estão, ou o que lhes aconteceu", afirmou Sarah Davies. As pessoas têm medo, estão ansiosas e muitas delas sentem-se desamparadas porque há muito pouco que possam fazer nesta situação. É de partir o coração ouvir a dor das pessoas que estão a tentar freneticamente restabelecer contacto com os seus familiares ou ouvir notícias sobre o seu destino e paradeiro."

Também se acredita que o número real de palestinianos desaparecidos seja consideravelmente mais elevado. Isto deve-se em parte ao facto de nem todas as famílias saberem que podem contactar o CICV, mas também, em alguns casos, devido a famílias inteiras terem sido mortas, o que significa que não há ninguém que possa comunicar o seu desaparecimento.

Mortos podem ser mais do dobro

O número de mortos em Gaza é superior a 38 mil, sendo que o número não conta com as pessoas que estão desaparecidas, incluindo as que estão debaixo dos escombros ou detidas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. O ministério estima que, até 6 de julho, cerca de 10 mil pessoas estavam desaparecidas.

No entanto, um estudo publicado na revista Lancet, calcula que o real número de mortos seja 186 mil, salientando que tal se deve ao facto do número oficial não ter em conta os milhares de mortos enterrados sob escombros e as mortes indiretas devidas à destruição de instalações de saúde, sistemas de distribuição de alimentos e outras infra-estruturas públicas.

Segundo o estudo, os conflitos também têm implicações indiretas para a saúde além dos danos diretos da violência, sendo que, mesmo que a guerra de Gaza termine imediatamente, continuará a causar muitas mortes indiretas nos próximos meses devido a doenças.

"Em conflitos recentes, o número de mortes indiretas é três a 15 vezes superior ao número de mortes diretas", refere o estudo, que aplica uma "estimativa conservadora" de quatro mortes indiretas por cada morte direta, considerando que "não é implausível estimar que até 186 mil ou mesmo mais mortes possam ser atribuídas" à guerra de Gaza.

Este número representara quase 8% da população de Gaza antes da guerra, sendo que viviam no enclave cerca de 2,3 milhões de pessoas.

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