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Centenas de mulheres compradas e violadas para ter filhos na China

21 de março de 2019 às 15:18

Governos de Myanmar e da China não estão a impedir o tráfico de mulheres e meninas de etnia kachin como "noivas" para famílias chinesas. Denúncia é feita pela organização não-governamental Human Rights Watch.

Os governos de Myanmar e da China não estão a impedir o tráfico de mulheres e meninas de etnia kachin como "noivas" para famílias chinesas. A denúncia é feita num relatório da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) divulgado esta quinta-feira.

Sobreviventes do tráfico relataram à organização que "pessoas de confiança", incluindo membros das próprias famílias, prometeram-lhes empregos na China. No entanto, em vez disso, foram vendidas por valores entre os três mil e os 13 mil dólares para famílias chinesas.

Estas mulheres eram trancadas em quartos, na China, e violadas até ficaram grávidas.

"Myanmar e as autoridades chinesas estão a olhar para o lado enquanto traficantes sem escrúpulos estão a vender mulheres e meninas kachin em cativeiro e abuso indescritível", disse Heather Barr, a codiretora dos direitos da mulher na HRW e autora do relatório. "A escassez de meios de subsistência e as proteções básicas dos direitos tornaram estas mulheres presas fáceis para os traficantes, que têm poucas razões para temer a aplicação da lei em ambos os lados da fronteira".

Ao longo do relatório, a HRW refere o caso de uma mulher de etnia kachin que foi traficada aos 16 anos pela cunhada.

"A família [chinesa] levou-me para um quarto. Naquele quarto eu estava novamente amarrada… Eles trancaram a porta – por um ou dois meses. Quando era a hora das refeições, eles mandavam as refeições. Eu chorava… cada vez que o homem chinês levava comida ele violava-me", contou a mulher à HRW.

Outras sobreviventes disseram que as famílias chinesas "muitas vezes pareciam mais interessadas em ter um bebé do que uma ‘noiva’".

De acordo com a HRW, mulheres e meninas são vendidas por traficantes a famílias chinesas que tentam encontrar noivas para os seus filhos, face ao desequilíbrio de género na China relacionado com a "política de um só filho" em vigor de 1979 a 2015.

Esta ONG considerou ser "difícil" calcular o número total de mulheres e meninas traficadas como noivas para a China, contudo o Governo de Myanmar registou 226 casos em 2017.

"Agentes da lei na China e em Myanmar, incluindo responsáveis da Organização Independente de Kachin, fizeram pouco esforço para recuperar mulheres e meninas traficadas", lamentou a HRW acrescentando que aquelas que escaparam e foram à polícia chinesa foram "por vezes presas por violações de imigração, em vez de serem tratadas como vítimas de crimes".

Segundo a HRW, em Myanmar "existem muito poucos" serviços para sobreviventes de tráfico, e "as poucas organizações que fornecem assistência desesperadamente necessária não podem atender às necessidades dos sobreviventes".

Para Heather Barr, os Governos de Myanmar e da China, assim como a Organização Independente de Kachin, "deveriam fazer muito mais para prevenir o tráfico, recuperar e ajudar as vítimas e processar os traficantes".

"Doadores e organizações internacionais devem apoiar os grupos locais que estão a fazer o trabalho duro que os Governos não vão resgatar mulheres e meninas traficadas e ajudá-las a recuperar", rematou Barr.

O relatório da HRW baseia-se principalmente em entrevistas com 37 sobreviventes do tráfico, três famílias de vítimas, autoridades do Governo e polícias de Myanmar e membros de grupos locais, entre outros.

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