Quando tinha 16 anos e começou a trabalhar num teatro, a receber bilhetes e dirigir as pessoas para os seus assentos (uma maneira de se manter a par dos espetáculos da Broadway que tanto admirava), Barbra Streisand fazia questão de esconder a cara das pessoas que atendia - não porque tivesse problemas com a sua aparência, mas porque sabia, no seu íntimo, que um dia seria famosa: "Não queria que as pessoas me reconhecessem no grande ecrã e soubessem que um dia mostrei-lhes os lugares", ri-se, em entrevista à BBC.
De facto, poucos anos depois, estaria nas bocas do mundo, a maravilhar e confundir o público nos palcos e ecrãs com uma presença até aí desconhecida para uma intérprete feminina. A adulação, no entanto, era acompanhada de um assalto em diversas frentes à sua figura: "Barbra Streisand representa um triunfo de aura sobre aparência", escreveu aNewsweekem 1966. "O seu nariz é demasiado longo, os seios demasiado pequenos e as ancas demasiado largas. Mas quando se coloca ao microfone, transcende gerações e culturas."
Ambos os lados incomodavam-na de diferentes formas. "Mesmo hoje, depois destes anos todos, ainda me sinto magoada pelos insultos, e não consigo acreditar nos elogios", escreve, aos 81 anos, Streisand na sua autobiografia, editada em inglês na terça, 7 de novembro, pela Viking Press. Serve, nas suas palavras, para "corrigir o registo", "desmentir os mitos" e "estabelecer a verdade" sobre a sua história: "Este é o meu legado. Escrevi a minha história. Não tenho de dar mais entrevistas depois disto."
My Name is Barbra, que está há 24 anos a ser escrito - em 1999 começou a fazer os primeiros esboços, revela - e chegou à impressionante marca de quase mil páginas, relata a história de Streisand nas suas próprias palavras ("Era a única forma de ter algum controlo sobre a minha vida", diz), e está repleta de pequenas histórias e curiosidades: quando caiu de um autocarro em movimento em Londres, como costumava fazer ocheck-inem hotéis com nomes falsos, a vez em que clonou um cão ou em que o seu segundo casamento inspirou uma canção dos Aerosmith.
Viking Press
Apesar da "memória inconstante", relata com abundância as suas comidas preferidas (entre elas, o gelado de café brasileiro, a sua favorita), as vezes em que foi humilhada pelos pares ("Tenho mais talento nos meus peidos do que tu no corpo todo", disse-lhe Walter Matthau na produção deHello, Dolly!), e os avanços sexuais de que foi alvo: quando o rei Carlos III, na altura príncipe, disse que era "devastadoramente atraente" e que tinha "grandesex appeal", ou quando Marlon Brando se apresentou com um beijo na sua nuca, dizendo: "Não podes ter uma nuca assim para não ser beijada". O seu coração, diz Streisand no livro, "parou por um momento".
Reflete ainda sobre uma infância pobre e desprovida de carinho nos subúrbios de Brooklyn - o seu pai morreu quando tinha 15 meses, e nem a sua mão nem o padrasto, ambos descritos como "frios, cruéis e distantes", lhe davam atenção -, um passado com que sofreu até uma amiga lhe dizer que era essa a origem da sua busca pelo sucesso, pela adoração universal e incondicional - uma ideia que diz ter sido "brilhante" e "reveladora".
Apesar de os pais nunca terem apoiado o seu sonho de ser cantora e atriz, o seu percurso mudou em 1960, quando se inscreveu num concurso de canto num bargayem Manhattan, cujo prémio era um jantar gratuito e 50 dólares. A rendição deA Sleepin' Bee, um clássico da Broadway que viria a integrar o seu primeiro disco,The Barbra Streisand Album(1963), abriu-lhe portas para diversos espetáculos em Nova Iorque, e logo para participações em filmes e contratos discográficos.
Viria a dominar a cultura popular anglófona nos anos 60 e 70 - além dos musicais no palco e no ecrã, protagonizou diversos filmes de sucesso, comoFunny Girl(1968),What's Up, Doc?(1972) ouThe Way We Were(1973), e gravou êxitos de topo de tabela como Woman In Love,EvergreeneNo More Tears- e a estabelecer diversos recordes: tornar-se-ia na primeira mulher a realizar, escrever, produzir e protagonizar um filme, comYentl(1983), e na mais bem-sucedida artista discográfica feminina de todos os tempos até, em 2023, ser suplantada por Taylor Swift.
Ainda assim, mantém que continua a não olhar para si própria "como uma pessoa famosa", continuando a ser "a mesma Barbara Joan Streisand que era no liceu", disse à CBS. Com o cancelamento dos projetos em que estava a trabalhar nos últimos anos - umabiopicda fotógrafa Margaret Bourke-White e um filme do musical Gypsy - e o lançamento do livro, crê ter colocado um ponto final na carreira, e afirma querer passar mais tempo com a família: "Não me diverti muito na minha vida, para ser sincera, quero divertir-me mais."
Editado pela Viking Press, chancela da Penguin,My Name is Barbraainda não tem edição em português anunciada.