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Paolo Sorrentino: "A beleza é sempre uma fonte de embaraço"

Em entrevista, o realizador de "A Grande Beleza" e "A Mão de Deus" diz que o seu novo filme, "Parthenope" (esta 5.ª, 27, nos cinemas), é "uma juventude imaginada e sonhada" na sua Nápoles.

Pedro Henrique Miranda 26 de fevereiro de 2025 às 07:00
Gianni Fiorito

No cinema contemporâneo, há poucos cineastas a quem possamos atribuir maior autoridade visual do que Paolo Sorrentino. Wes Anderson é o autor da simetria pitoresca, Nicolas Winding Refn o mestre das luzes néon em ambiente noir, Luca Guadagnino e Denis Villeneuve os inovadores estilísticos em blockbusters de amor proibido ou ficção científica, mas é de Sorrentino a primazia da estética no país da beleza: a sua nativa Itália.

"A beleza é sempre uma fonte de embaraço", diz o realizador de 54 anos, por email, à SÁBADO, quando lhe perguntamos sobre uma obsessão antiga para si: "Se me sinto embaraçado, encontro a beleza. E filmo. Como é que a concretizo visualmente, não sei. É o instinto. Não estudei arte, nem cinema, nem fotografia."

Gianni Fiorito

O seu começo, de facto, foi na escrita, de onde saltou para a realização num percurso de prestígio que incluiu comédias (A Poeira de Nápoles, O Homem a Mais), dramas (As Consequências do Amor, O Amigo de Família) e biografias sobre políticos italianos proeminentes (Il Divo, Loro), que ajudaram a solidificar o seu nome como realizador de renome no panorama italiano. 

Nenhuma fase lhe granjeou mais prestígio, no entanto, do que a da busca por esse embaraço. Em A Grande Beleza (2013), vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e tido como seu magnum opus, inaugurou os temas que continuaria a perseguir no filme seguinte, A Juventude (2015) - a descoberta da beleza pelos olhos de personagens envelhecidas que invejam a juventude que as rodeia, bem como a que ficou das suas próprias vidas em reminiscências nostálgicas -, como um realizador que se sente a envelhecer e sabe a saudade que o espera.

Em A Mão de Deus (2021), deu início a uma outra perspetiva sobre os mesmos temas, percurso que continua a percorrer com Parthenope, o seu mais recente filme, que chega esta quinta, 27 de fevereiro, às salas de cinema portuguesas: já bastante avançado na meia-idade, é o próprio Sorrentino que olha agora, através da câmara, para uma juventude mitificada e sublimada, onde não deixa de haver muita beleza a ser encontrada. 

Gianni Fiorito

Mas ao passo que "em A Mão de Deus havia uma juventude vivida, realista" - as suas próprias memórias de infância - "em Parthenope, a juventude é imaginada e sonhada, porque é um tempo de memória", explica o realizador. "O cinema, com os seus truques, os seus artifícios, cristaliza os acontecimentos inesquecíveis da memória", continua Sorrentino, pelo que "é o lugar ideal para narrar os temas que mais me tocam, como a melancolia ditada pela passagem do tempo".

Foi essa melancolia que ditou o tom deste filme, "a perceção de que o tempo passa e afeta toda a nossa personalidade, memória e, claro, o corpo" -  "a partir desta simples consideração, pensei que se poderia construir um épico". É um épico, de facto, o que encontramos em Parthenope, nome que alude à protagonista homónima - uma luminosa Celeste Dalla Porta, centro gravitacional do filme -, à figura mitológica da Odisseia (uma sirene que tenta, sem sucesso, enfeitiçar Ulisses), e à cidade a que a sirene dá nome: Nápoles, terra-natal de Sorrentino e outra das suas velhas obsessões fílmicas.

Embora recuse desenvolver a relação entre essa tríade - "dar relevância a essas ligações seria endossar um simbolismo que me parece estranho à dinâmica deste filme" -, Sorrentino reconhece que é Nápoles a musa temática do filme, uma cidade sobre a qual "há sempre algo para contar": "É uma cidade cheia de camadas, cheia de invenções, é difícil esgotar o reservatório de coisas para contar sobre Nápoles."

Gianni Fiorito

São essas camadas e invenções que encontramos em Celeste Dalla Porta, a jovem atriz de 27 anos que, como Parthenope, é a personificação da "juventude imaginada" de Sorrentino em Nápoles: quente mas insondável, gentil mas misteriosa, vivaz e hedonista mas também intelectual e académica, e sempre incrivelmente bela - o objeto de desejo de todos os homens e a inveja de todas as mulheres. 

Sorrentino não é perentório sobre a escolha de Dalla Porta: "Tenho sempre a sensação, quando termino um filme, de que poderia ter escolhido outro ator ou atriz, pelo que nunca saberei se fiz a escolha certa", diz. Isso não o impediu, no entanto, de filmá-la como se fosse a única pessoa no mundo para o papel, o que expôs Sorrentino a acusações de superficialidade e malegazing - um olhar masculino lascivo e objetificante sobre a figura feminina.  

Não foi esta a única crítica a um filme narrativamente ténue, que acompanha porções da vida de Parthenope de forma essencialmente visual e sentimental, dividindo os críticos: alguns intimaram a sua "soberba", afirmando que Sorrentino faz "uma paródia de si próprio" e comparando o filme a "um longo anúncio de perfume". Outros, no entanto, saudaram a sua excelência estética e "momentos de poesia deslumbrante", aclamando-o como "mais uma Grande Beleza" - que foi, afinal, a sua maior conquista cinematográfica.

https://youtu.be/mNKGxsntS_0?si=iFySigTvh-OwD10J
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