Secções
Entrar

"Surgimento do coronavírus foi o pior" que podia acontecer aos idosos

01 de outubro de 2020 às 07:55

Os lares "estavam e estão impreparados para a pandemia em qualquer plano que seja", garante especialista.

A pandemia da covid-19 foi "a pior coisa" que aconteceu aos idosos e expôs as dificuldades no apoio a estas pessoas, e se, no início, a preocupação foi salvar vidas, agora importa repensar o envelhecimento, defenderam especialistas.

Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional da Pessoa Idosa, que se assinala hoje, o fundador do Instituto do Envelhecimento disse ter partilhado o sentimento vivido por grande parte das pessoas com mais de 65 anos, consideradas um dos grupos mais vulneráveis à covid-19.

"Como membro que sou do último escalão definido pela DGS [Direção-Geral da Saúde] (80+ anos), tenho consciência que o surgimento do coronavírus foi o pior que nos poderia ter acontecido, fechando-nos em casa e obrigando-nos a tomar todo o género de cuidados que vão até ao isolamento completo", afirmou Manuel Villaverde Cabral.

Critico em relação ao que se tem passado nos lares de idosos, o professor e investigador considerou que foi "catastrófico", mas também "previsível", apontando que os lares "estavam e estão impreparados para a pandemia em qualquer plano que seja, seja no plano médico, seja no psicossocial e económico".

"O extremo envelhecimento da população portuguesa, assim como em alguns outros países, acompanha logicamente a propagação do vírus", sustentou.

Na opinião de Manuel Villaverde Cabral, o confinamento em Portugal "teve efeitos devastadores no plano socioeconómico", mas admitiu que tenha ajudado a conter a mortandade das pessoas com mais de 70 anos.

Ainda assim, afirmou que estas pessoas "foram, de longe, e continuarão a ser até ao dia em que se descobrir uma vacina, as grandes vítimas da covid-19".

No que diz respeito ao confinamento, o presidente da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social (CNIS) declarou à Lusa que o mais difícil de gerir foi a solidão dos idosos, desde os que estavam nos lares que ficaram sem visitas, aos que iam aos centros de dia e que ficaram confinados em casa.

"A solidão tornou-se dura e houve casos de depressão e de desânimo (...). Para mim, o grande problema dos idosos neste tempo foi o da solidão e a solidão mata", alertou o padre Lino Maia, garantindo que as instituições tudo fizeram para tentar apoiar os seus idosos, desde logo pelo aumento dos serviços de apoio domiciliário.

Para o presidente da CNIS, a saúde mental dos idosos não foi devidamente acautelada durante o tempo de pandemia e "houve cuidados médicos que diminuíram" quando deveriam ter aumentado.

"Defendo que existe a necessidade premente -- e já vamos tarde -- de olhar para estas instituições e os idosos e vê-los como cidadãos de pleno direito, com direito a cuidados de saúde, estejam eles onde estiverem", disse Lino Maia, acrescentando que se isso já tivesse sido feito, talvez tivesse sido "evitado algum agravamento da situação da dependência, da demência".

O presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, reconheceu que o confinamento e o distanciamento físico, e o respetivo impacto na saúde mental dos mais idosos, foi o que mais o preocupou, mas salientou que o principal desafio era salvar vidas e que se tratou, por isso, da "lógica do mal menor".

Para o responsável, a tónica desta discussão tem de deixar de estar centrada nos lares de idosos para passar a estar no tipo de envelhecimento que é desejado, defendendo que é preciso um "programa de construção de lares mais 'frendly', mais capazes e mais asséticos", e avisando que o país tem de fazer escolhas.

"Isto exige recursos que é preciso ver se Portugal tem ou não tem e se quer fazer ou não quer", observou, preconizando também uma maior aposta nos serviços de apoio domiciliário.

Lino Maia, por outro lado, apontou a necessidade de um repensar do envelhecimento, em que o prolongamento da vida seja acompanhado de qualidade de vida e de uma vida tanto quanto possível ativa.

"Penso que a grande aposta em relação aos idosos é considerá-los como cidadãos de pleno direito e a promoção de um envelhecimento ativo, com qualidade, intervenção e participação na comunidade", defendeu.

Manuel Villaverde Cabral vai mais longe e destacou que os lares em Portugal "têm de ser mudados de cima abaixo" e que "é, efetivamente, indispensável repensar as estruturas físicas, profissionais e financeiras dos lares".

A par disso, sugeriu uma "revisão radical do sistema de reformas", que neste momento "não só 'come' 15% do Orçamento do Estado português, como é profundamente desigual e cheio de 'subsídios', 'remendos' e 'outras exceções' de toda a espécie".

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela