Secções
Entrar

Portugueses trabalham cada vez mais horas, saúde e família em risco

24 de novembro de 2016 às 12:13

"Parece ser um fenómeno cultural português e em todas as profissões. De tal maneira que quem não fica mais horas a trabalhar é censurado, quer pelos seus pares quer pelas chefias", disse

Em Portugal, ao contrário do resto da Europa, trabalha-se cada vez mais horas, especialmente quadros e chefias, e o fenómeno tem implicações nas relações familiares mas também na saúde, alerta o psiquiatra Pedro Afonso.

O aumento da permanência no local de trabalho tem vindo a aumentar e isso tem implicações na saúde, aumentando a hipertensão, as doenças cardiovasculares ou a diabetes, mas também os casos de depressão, ansiedade e insónia, disse o especialista à Lusa.

Pedro Afonso é o orador num debate organizado hoje pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), sobre o tema "O impacto do excesso de carga horária laboral na saúde psíquica e na vida familiar".

Professor de psiquiatria na Faculdade de Medicina de Lisboa, no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica e na AESE-Business School, Pedro Afonso cita um estudo desenvolvido na Escola de Negócios segundo o qual 53% dos inquiridos trabalhava mais do que a carga horária média.

A AESE é a primeira "Business School" de Portugal e dedica-se à formação específica em direcção e gestão de empresas. Segundo Pedro Afonso para o estudo foi utilizada o critério da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que indica as 48 horas por semana como máximo, sendo que a maioria dos portugueses inquiridos trabalhava 54.

"Parece ser um fenómeno cultural português e em todas as profissões. De tal maneira que quem não fica mais horas a trabalhar é censurado, quer pelos seus pares quer pelas chefias", disse.

Ainda citando o estudo, que será divulgado em breve, são os cargos de chefia que mais trabalham, "pelo que o fenómeno é transmitido de cima para baixo".

E dos inquiridos, disse Pedro Afonso, "11% tomava ansiolíticos e antidepressivos, o que é muito tendo em conta que a média etária rondava os 40 anos". Uma situação, acrescentou, "que talvez explique porque é que Portugal é o principal consumidor per capita de psicotrópicos"

O psiquiatra compara o fenómeno a uma "nova escravatura", porque acaba por destruir a família ("o escravo era o que não tinha direito a constituir família"), já que "o excesso de carga horária aumenta o risco de divórcio". E depois, adiantou, "como os escravos, o excesso de trabalho coloca em risco a saúde a própria vida".

Pedro Afonso defendeu ainda que as novas tecnologias não vieram reduzir a carga horária mas que pelo contrário "invadiram a vida privada" e que a "pressão vertical" para se trabalhar mais é "cada vez maior", dando como exemplo as sociedades de advogados, onde por norma se trabalha horas a mais.

"Hoje é mal visto quem sai a horas. Não interessa a produtividade. Nos países nórdicos trabalham menos e não consta que tenham menos produtividade. Estar presente não está obrigatoriamente relacionado com o aumento da produtividade", disse.

Ao contrário, acrescentou o psiquiatra, o cérebro tem limites e com o aumento das horas de trabalho o rendimento diminui e aumenta a probabilidade de erro. E também é comprometida a qualidade de vida e uma adequada conciliação entre o trabalho e a família.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela