Secções
Entrar

Oliver Sacks inventou muitos dos casos que o tornaram famoso

Diogo Barreto 13 de dezembro de 2025 às 08:42

O famoso neurologista admitiu ter exagerado e até inventado casos para escrever os seus livros de divulgação científica.


DR
Oliver Sacks (1933 - 2015) é provavelmente um dos neurologistas mais famosos de sempre, tendo conseguido saltar para o estrelato internacional de uma forma que é pouco comum entre cientistas. Conhecido pelos seus casos anedóticos que utilizava para explicar várias teorias neurológicas, a revista escreve um artigo em que desvenda que muitos dos casos sobre os quais construiu a sua carreira e reputação eram falsos ou pelo menos exagerados. Em diários e documentos privados a que a jornalista Rachel Aviv teve acesso através da Fundação Oliver Sacks o neurologista explica como exagerou, romanceou e até fabricou trechos de histórias para transformá-las em casos mais interessantes. foi um escritor que raiava o compulsivo. Aviv afirma que chegava a preencher as folhas de um caderno de notas em menos de dois dias, chegando a estar mais de seis horas seguidas a escrever. Foi entre esses diários que Sacks chegou a escrever que sentia um "sentimento de criminalidade horrível" por ter atribuído "poderes (incluindo poderes de discurso) que esses [os pacientes] não têm". O neurologista reconhece mesmo que alguns detalhes foram "invenções puras", mas que os seus exageros não vinham de um sítio de vaidade nem de uma vontade de atingir a fama. "O impulso é ao mesmo tempo puro e profundo. Não é apenas ou totalmente uma projeção - nem (como já afirmei muitas vezes) uma mera 'sensativização' daquilo eu sei sobre mim. Mas (podemos dizer) uma espécie de autobiografia". Tendo-se tornado famoso no meio intelectual ainda durante a década de 70, o grande público conheceu Sacks com o filme Despertares (Awakenings), de 1990, com Robin Williams e Robert DeNiro, realizado por Penny Marshall e baseado na obra Awakenings, escrito por Sacks, sobre as vítimas de uma epidemia de encefalite letárgica. O filme e o livro narram a história de pacientes que ficaram em estado catatónico durante décadas devido à encefalite letárgica e foram "despertados" pelo medicamento L-DOPA. Outro dos seus casos célebres, relatado emO Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu, centrava-se num professor de música que interpretava composições, mas confundia a mulher com um chapéu (tinha prosopagnosia, incapacidade de distinguir rostos). Numa carta ao irmão Marcus sobre este livro, Sacks escreveu que "estas narrativas estranhas - metade-relatadas, metade-imaginadas, metade-ciência, metade-fábula, mas com uma fidelidade própria - são o que eu faço, basicamente, para manter os meus demónios de aborrecimento e solidão e desespero longe de mim". A escrita escorreita e profundamente humanitária tornaram Sacks um fenómeno de vendas e apesar de alguns círculos desdenharem da sua abordagem à ciência, muitos destacaram a sua importância no campo da neurologia. Hilary Mantel escreveu no Guardian que Sacks tinha "elevado a história clínica ao patamar da literatura". Estas revelações da New Yorker apontam que pode mesmo ter sido apenas ficção. O próprio escritor reconhecia o risco de ultrapassar o limite entre empatia e apropriação e chegou questionar-se, sobre sua prática de incentivar pacientes a viverem a doença "ao máximo" para depois descrevê-la, se o seu método não seria “monstruoso”. A revelação desses bastidores lança nova luz sobre o impacto de Sacks na formação de médicos e na consolidação da medicina narrativa, corrente que defende a escuta profunda e a reconstrução de histórias de vida como parte do tratamento.  Sacks viveu quase sempre sozinho e só perto da morte, na sua autobiografia, assumiu que era gay e celibatário. Deu aulas na Universidade de Colúmbia, entre 2007 e 2012, e colaborou com a New Yorker durante vários anos. Entre 1970 e 2015, publicou 13 livros e vendeu mais de um milhão de cópias só nos EUA. Conhecido como "poeta laureado da Medicina", estudou o autismo, a epilepsia e a síndrome de Tourette e descobriu que a música pode ajudar na recuperação deste tipo de patologias.
Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela