Evocar o nazismo nesta guerra é "um abuso nojento", diz diretor do museu de Auschwitz
"A Ucrânia tem de ganhar para que todos não percamos", sustenta o diretor do Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau, Piotr Cywinski.
O diretor do Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau considera que a referência ao nazismo na Ucrânia como justificação para a invasão russa é "um abuso nojento", numa guerra que Kiev tem de ganhar sem qualquer concessão a Moscovo.
Em entrevista por escrito à Lusa, Piotr Cywinski contextualiza a argumentação de ameaça nazi na Ucrânia como propaganda de Moscovo, e frisa que gostaria de evitar entrar nessa discussão, atendendo a que se refere a "noções fundamentais para a história da Europa e do mundo como ‘nazis’", e nesse sentido, apenas declarou que "é um abuso nojento".
Piotr Cywinski disse, no entanto, estar curioso em saber "se o uso desse termo em referência à inocente Ucrânia [cujo Presidente, Volodymyr Zelensky, é judeu] deveria - de acordo com os ‘apparatchiks’ do Kremlin - solidificar a opinião russa e se destinava a uso interno", ou se nas sociedades democráticas, fora das fronteiras da Rússia, "se acreditaria nesta mentira primitiva".
O diretor do Memorial e Museu de Auschwitz-Birkenau, antigo campo de concentração e de extermínio nazi na Polónia, durante a II Guerra Mundial, defendeu que "a Ucrânia tem de ganhar para que todos não percamos", descrevendo a invasão russa, iniciada em 24 de fevereiro do ano passado, como a "era da guerra declarada pela Rússia", mas ignora o curso da história, no seguimento da "loucura dessa agressão, seu absurdo e brutalidade", que demonstram que, em teoria, todos os cenários devem ser levados em consideração.
Doutorado em Humanidades e História Medieval, diretor do Memorial desde 2006 e com vasta obra sobre Auschwitz-Birkenau, Piotr Cywinski, nascido em Varsóvia há 50 anos, advertiu, porém, que ficaria mais preocupado com o mundo e sua ordem no futuro, "se houvesse algum sintoma, mesmo menores sinais do Ocidente, de que alguém tem medo" da Rússia.
"Diante do terror internacional, mesmo as menores concessões feitas por medo ou cálculo não podem ser aceites. Mesmo que o preço tenha que ser pago pela coragem e pela verdade. Caso contrário, tal preço será pago diretamente mais tarde, embora seja imensuravelmente maior", sustentou, destacando: "É a experiência básica dos últimos 250 anos de cada uma das nações que vivem nas proximidades da Rússia".
Esse foi um dos motivos que levou a que, pela primeira vez, a Rússia, cujas forças ocuparam o campo de concentração em 1945, fosse excluída no mês passado da efeméride que assinala o aniversário da sua libertação.
Para o responsável do Memorial, os critérios para excluir a Rússia são muito simples. Primeiro, as instituições polacas "abstêm-se de quaisquer contactos com a Federação Russa, exceto os necessários", após a agressão "não provocada e injustificada da Rússia à Ucrânia independente e democrática".
Depois, a guerra na Ucrânia "torna difícil imaginar que os representantes de um estado assassino, que está a violar e roubar civis ucranianos, possam falar num lugar que para todo o mundo adulto representa a maior ferida genocida infligida a diferentes grupos de civis na história da Europa".
Piotr Cywinski não tem nenhum conselho a dar às partes beligerantes, insistindo apenas que Kiev tem de sair vencedora, mas deixou uma mensagem ao povo russo: "Em cada semana de guerra, em cada aldeia destruída e massacrada, vocês estão a distanciar-se muitos anos atrás deste mundo a que tanto aspiraram. Vocês precisam entender que a megalomania do Kremlin está a matar os ucranianos, mas também está matá-los a vocês mesmos e provavelmente muitas outras gerações futuras".
As forças de Moscovo estiveram na aliança que libertou a Europa do regime nazi, mas, quando se trata de respeito às vítimas da II Guerra Mundial, este "terminou na Rússia em 24 de fevereiro de 2022".
Já no ocidente, "esse respeito reflete-se na ajuda prestada à Ucrânia, para que se possa defender corajosamente", afirmou Cywinski, concluindo: "Quanto ao resto, o Tribunal Internacional de Haia terá muito trabalho a fazer".
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