Depois de 15 anos como jogador profissional de futebol, em maio de 1991, com a idade de Cristo, tive a oportunidade de seguir a carreira de treinador, num pequeno clube alentejano da 3.ª divisão: o União de Montemor. Um projeto desportivo humilde, mas responsável, e alicerçado em miúdos da região e nalguns jovens jogadores estudantes que vinham todos os dias de Lisboa numa carrinha do clube, conduzida por um deles. Fomos campeões nessa época e subimos à 2.ª Divisão graças a um grupo de jovens jogadores que corriam muito, trabalhavam imenso, ousavam ainda mais e acreditavam sempre que era possível marcar a diferença num clube do interior de Portugal. No ano seguinte, adotando a mesma filosofia de trabalho e organização interna, foi possível dar continuidade ao trabalho desenvolvido na época anterior. Manteve-se o mesmo perfil de jogador, a mesma estrutura, a mesma atitude e ainda... a mesma carrinha. E principalmente a mesma relação frontal e cúmplice entre mim e os “miúdos”. No final de um jogo, nesse ano de 1992, entrou no meu gabinete o delegado ao jogo do nosso clube, o inestimável Cabo Cunha da GNR, que me disse: “Míster, temos um problema. A carrinha dos jogadores não pega. Quatro já arranjaram boleia, mas ainda faltam três que não sabem e não têm como voltar para casa.” – Meu caro, nós não temos problemas, temos soluções! Diga-lhes que eu os levo para Lisboa. E assim foi, quando saí para o meu carro, uma Citröen C15 branca, que ‘voava’ e ‘planava’ como uma verdadeira gaivota, lá estavam o Albasini, o Pedro e o Bubu à minha espera. Acomodados e felizes por mais uma vitória, lá iniciámos a nossa viagem, que durante 3 anos fiz quase todos os dias – Lisboa, Montemor-o-Novo, Lisboa – sempre pela Estrada Nacional N.º 4. Os meus companheiros de viagem foram todo o percurso calados, mesmo muito calados, aos sussurros e com um ar de surpresa, às vezes até com um certo receio, que deduzi ser devido à velocidade com que circulávamos. Nem as minhas tentativas de comunicação informal surtiam qualquer efeito. Mudos e calados até ao fim. Lisboa, fim da viagem… “Até amanhã”, despedi-me lembrando o treino de recuperação estava agendado para a tarde. No dia seguinte, antes da sessão de trabalho e depois do controlo do peso, o meu adjunto, o prof. Gião, chegou ao pé de mim e perguntou: – Ó míster, o que aconteceu ontem na viagem, que os miúdos que foram consigo estão a espalhar que boleia consigo nunca mais?! Preferem andar a pé! – O quê!? – Estão a dizer que apanharam um dos maiores sustos da vida. Que o míster anda muito depressa naquela carrinha e que confia muito em Deus. Quando faz uma ultrapassagem, até se benze!... – Ó Gião, isso é um disparate! Eu benzo-me sempre que passo por um cemitério e, como sabe, até Lisboa, passamos por muitos. Julgo que os jogadores não acreditaram na minha justificação. Pelo menos nunca mais tive “passageiros à boleia” na minha C15 voadora…
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.