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Cimeira Social: A pobreza e a luta contra a vergonha no Bairro Branco

03 de maio de 2021 às 07:48

No Bairro Branco, vivem entre 15 a 20 mil pessoas num contexto de desemprego e insegurança alimentar. O desemprego ou o emprego precário tem vindo a agravar a situação dos moradores.

Existe uma linha muito frágil "entre pedir comida e roubar" porque, quando há fome, a "vergonha" é difícil de ultrapassar, diz Lucas Vieira, morador do Bairro Branco, Almada, enquanto ajuda a organizar a distribuição de alimentos aos mais carenciados.

"Vergonha é roubar a casa do pobre e ser apanhado", diz à Lusa o morador do Bairro Branco, que todas as semanas se oferece como voluntário para descarregar alimentos e organizar a distribuição na rua da Belavista, Pragal.

"Ser voluntário é bom para ajudar as pessoas. Eu gosto de ajudar as pessoas porque aqui há muitas pessoas que precisam, mas muitas pessoas têm vergonha. Eu digo-lhes para virem. Não é roubar. Chegam ali e peçam. Eu digo-lhes: vocês têm filhos, têm mulheres. Porque não vão pedir ajuda? Está aqui muita gente que precisa e tem vergonha", diz Lucas Vieira.

Todas as semanas, a Associação Padre Amadeu Pinto, da Companhia de Jesus, faz distribuição de alimentos com meios próprios ou em colaboração com o Banco Alimentar Contra a Fome ou a autarquia de Almada.

No Bairro Branco, margem sul do Tejo, junto à ponte 25 de Abril e o "ex-bairro 28 de Maio" (data da instauração da ditadura em 1926), vivem entre 15 a 20 mil pessoas num contexto de desemprego e insegurança alimentar e cercadas pelo tráfico de estupefacientes, armas e delinquência juvenil.

O desemprego ou o emprego precário tem vindo a agravar a situação dos moradores.

"Nota-se muito a situação dos trabalhadores pobres, em virtude da falta de estudos. Nota-se através dos números do Rendimento Social de Inserção (RSI), trabalhadores que trabalham e que mesmo assim têm de recorrer a apoios", diz à Lusa Ana Martinho, assistente social e coordenadora do Núcleo de Apoio Social do Centro Social Paroquial do Cristo Rei.

No último ano, as lógicas da economia informal no local alteraram-se, assim como se agravou a situação dos desempregados e das pessoas com trabalhos precários.

"Aqui nota-se uma relação muito ingrata e injusta das pessoas com o mercado de trabalho, porque há uma grande rotatividade entre desemprego e trabalho precário. Curiosamente muitas pessoas receberam propostas e foram enquadradas nas limpezas do covid, uma coisa que toda a gente receava em plena pandemia, e as pessoas foram e alinharam-se, tiveram essa oportunidade, mas depois foram descartadas", diz ainda Ana Martinho.

A assistente social, que colabora na operação de entrega de alimentos, refere que, neste momento, existem mil pessoas para três respostas.

O Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, em parceria com a Segurança Social, enquadrado num programa europeu, para 264 habitantes e que formam 90 famílias.

Por outro lado, a autarquia e a Igreja promovem medidas extraordinárias de apoio alimentar com mais 100 beneficiários de 29 famílias, e respostas como os excedentes do Banco Alimentar que, "dependendo do que é recebido", é divido por 700 famílias.

A Cimeira Social que vai decorrer nos dias 7 e 8 de maio na cidade do Porto, vai debater o plano de ação da Comissão para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, envolvendo agentes políticos, mas também setores da sociedade civil, nomeadamente empregadores como a Business Europe e trabalhadores através da Confederação Europeia dos Sindicatos.

O plano estipula como metas, para 2030, que 78% dos adultos na Europa tenham emprego, que pelo menos 60% das pessoas façam uma ação de formação uma vez por ano e que sejam retirados da pobreza "pelo menos" 15 milhões de europeus, dos quais cinco milhões de crianças.

"Não basta haver medidas políticas, é preciso operacionalização em territórios como este e é precisa uma força de proximidade, de insistência que não vejo acontecer. Por vezes essas medidas são muito burocráticas e há pessoas que num determinado momento da vida estão muito desorganizadas e não se conseguem alinhar com essa exigência da burocracia. Mas se houver acompanhamento no terreno, vejo que é possível, sim", considera a assistente social do Bairro Branco.

Após a descarga dos alimentos, Lucas Vieira, de saco vazio na mão, junta-se à fila para receber os alimentos para a família.

Lucas diz que nunca ouviu falar da Cimeira do Porto, nem dos planos para reduzir a pobreza e que os políticos estão longe da realidade dos bairros.

"O que é que a gente pode pensar dos políticos? Têm de ajudar porque há muita gente com necessidade e eles ajudam pouco. Deviam ajudar mais um bocado, visitando os bairros. Ver que há pessoas que estão a precisar. Agora, com as eleições vamos vê-los a aparecer aqui. Para pedir votos eles aparecem, mas quando é preciso ajudar, esquece", critica o morador da rua da Belavista, Bairro Branco, uma rua sem vista para lado nenhum a não ser para paredes e túneis de cimento.

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