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Angola despede-se de 'Zedu', o "bom patriota" que fez a paz

28 de agosto de 2022 às 13:24

O funeral fica marcado pela ausência dos três filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos.

Governo, amigos e partido governamental recordaram este domingo a figura do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, o "bom patriota" que promoveu a paz e reconciliação no país, numa cerimónia que incluiu o desmaio de um dos oradores.  

"Em nome da direção do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola], de todos os militantes, simpatizantes e amigos do nosso partido, venho oferecer-te uma flor. Adeus nosso presidente emérito, adeus camarada presidente José Eduardo dos Santos, adeus arquiteto da paz, adeus Zedu, paz à sua alma", resumiu Luísa Damião, vice-presidente do partido que governa Angola.

Em representação da Fundação José Eduardo dos Santos, João de Deus recordou que o povo falava do ex-presidente como 'Zedu', "dada a sua natureza de humildade e trajetória simples".

Com 37 anos, José Eduardo dos Santos "sacrificou a sua juventude", para assumir, em 1979, uma "substituição necessária para dar sequência ao prematuro passamento físico do imortal guia da revolução", numa referência a Agostinho Neto, afirmou João de Deus, que desmaiou durante o discurso, tendo sido assistido pelos serviços médicos.

Por seu turno, o chefe da Casa Civil do Presidente de Angola, Adão de Almeida, afirmou hoje que o país se despede de José Eduardo dos Santos, "um bom patriota" que "trouxe a paz" a garantiu a "unidade territorial" ao longo dos 40 anos de governo.

No dia em que José Eduardo dos Santos comemoraria os seus 80 anos, o Governo organizou uma cerimónia oficial de exéquias fúnebres que contou com a presença de 24 delegações estrangeiras, entre as quais o Presidente português, o coordenador das cerimónias explicou que o executivo está em "sintonia" com a família.

No seu discurso, Adão de Almeida elogiou o legado histórico de José Eduardo dos Santos e o seu papel na "transição" de Angola para o regime democrático, economia de mercado e na construção de um conjunto de "direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", dos quais destacou a abolição da pena de morte.

Mas, em particular, o ministro elogiou a "invulgar sagacidade" do ex-presidente que, após a vitória na guerra civil, promoveu a reconciliação nacional, de "cujos frutos Angola usufrui há 20 anos".

Já Roberto Almeida, antigo presidente da Assembleia e próximo do ex-presidente, falou do amigo como "um arquiteto da paz" que "pôs fim definitivamente a décadas de guerra fratricida", num "reencontro da grande nação angolana".

As cerimónias fúnebres do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos concluem-se hoje, data em que completaria 80 anos, com um funeral de Estado na presença de vários Presidentes, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa, e representantes da diplomacia de diversos países.

O antigo chefe de Estado morreu em 08 de julho, com 79 anos, em Barcelona, Espanha, onde passou a maior parte do tempo nos últimos cinco anos, mas as exéquias só agora se vão realizar devido à disputa sobre a custódia do corpo entre duas fações da família de José Eduardo dos Santos - a viúva e os três filhos mais novos, apoiados pelo regime angolano, contra os cinco filhos mais velhos.

Presentes no funeral estão o presidente da UNITA, que chegou pelas 09:30 ao local, bem como líderes de outros partidos da oposição, bispos católicos, membros do executivo angolano e outras individualidades.

Só perto do início das cerimónias, atrasadas duas horas, é que a organização conseguiu preencher o auditório dedicado à população em geral, mas as arquibancadas do Memorial Agostinho Neto permaneceram muito despidas de pessoas.

A praça da República, onde se encontra o monumento fúnebre do primeiro Presidente angolano, no Memorial António Agostinho Neto, foi novamente escolhida para as cerimónias fúnebres, depois de ter acolhido um velório público sem corpo logo após a morte de José Eduardo dos Santos, durante um luto nacional de sete dias.

Este domingo, haverá honras militares num programa que inclui música lírica, leitura de mensagens do Estado angolano e da família, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), da Fundação José Eduardo Santos e leitura do elogio fúnebre, bem como um culto ecuménico, acompanhado de grupos corais.

Nas cerimónias de domingo encontram-se Ana Paula dos Santos e os três filhos que teve em comum com o antigo chefe de Estado, bem como um outro filho, José Filomeno dos Santos "Zenu", que foi condenado pela justiça angolana a uma pena de prisão pelo seu envolvimento num caso de corrupção e aguarda, em liberdade, decisão sobre o recurso que interpôs.

Filhos ausentes choram o pai à distância 
O funeral fica marcado também pela ausência das mediáticas filhas mais velhas do ex-presidente, a empresária Isabel dos Santos que enfrenta diversos processos na justiça angolana e em outros países, e a ex-deputada do MPLA, Tchizé dos Santos, que declarou o seu apoio ao candidato da UNITA à presidência angolana, Adalberto da Costa Júnior, contra o candidato do MPLA e sucessor do seu pai na presidência, João Lourenço.

Isabel, Tchize dos Santos e o irmão Coreon Du choraram o pai através das redes sociais e recordaram o seu aniversário.

Coreon Du, que já tinha anteriormente manifestado os momentos difíceis que estava a atravessar depois de um tribunal espanhol decidir entregar a custódia do corpo do ex-presidente à viúva Ana Paula dos Santos contra a vontade dos filhos mais velhos, lamentando ter lhe sido roubada a oportunidade "de dar-lhe o último adeus na terra que nos viu nascer", hoje quis marcar o aniversario.

"Quando era criança, o Papá ensinou-me a não ter medo do escuro, por que a luz sempre chega", escreveu José Eduardo Paulino dos Santos, mais conhecido pelo nome artístico de Coreon Du nas suas redes sociais.

"Nos momentos mais difíceis me lembrarei da sua voz serena e sorriso que espero que me motivem a não perder o meu otimismo e nem a sensatez. Parabéns, papá", escreveu o cantor e produtor angolano.

A empresária Isabel dos Santos tinha expressado a sua mágoa na véspera, escrevendo: "o que está a acontecer é de partir o coração" e publicando um 'post' onde se lia: "A traição, a falta de lealdade, queima no coração de quem tanto confiou. Quando somos traídos por quem amamos, choramos e lamentamos uma dor de morte é como se tivéssemos que enterrar alguém ainda respirando".

Hoje desejou apenas: "Feliz aniversário, papá".

Também Tchize dos Santos, empresária, influenciadora e ex-deputada do MPLA, desejou "feliz aniversario" ao pai, num 'post' acompanhado de uma música em que acrescentou: "em tua memoria, continuarei a lutar pela pátria".  

Tchizé dos Santos faz ainda referência às declarações do general Francisco Furtado, que no sábado acusou os filhos de falta de bom senso, lamentando que tenham perdido a "melhor oportunidade" criticando "os seres belicistas, desprezíveis e desprovidos de qualquer humanismo" que consideram que "o funeral é uma batalha".

Os três não visitam Angola há vários anos, tal como José Eduardo dos Santos que escolheu exilar-se em Barcelona quando o regime liderado por João Lourenço, seu sucessor a partir de 2017, ergueu a bandeira da luta contra a corrupção atingindo alguns dos seus filhos, nomeadamente Isabel do Santos que enfrenta vários processos na justiça angolana.

Hoje estiveram presentes nas cerimónias fúnebres apenas quatro dos oito filhos do antigo chefe de Estado: os três em comum com Ana Paula dos Santos (Josiane, Danilo e Breno) e José Filomeno dos Santos, que foi condenado num caso de corrupção e aguarda recurso em liberdade.

Josiane leu em nome da família um elogio fúnebre emotivo, recordando o gosto do pai pelo desporto e pela música, e sublinhando: "A tua luz sempre brilhará, jamais serás esquecido".

"Os teus filhos e netos sempre te amarão, que a tua alma descanse em paz", despediu-se Josiane com a voz embargada.

O corpo de José Eduardo dos Santos, que morreu no dia 08 de julho em Barcelona, só regressou a Angola no passado sábado, após uma batalha judicial entre dois lados da família.

 De um lado estavam Tchizé dos Santos e os irmãos mais velhos, que se opunham à entrega dos restos mortais à ex-primeira dama e se declaravam contra a realização de um funeral de Estado antes das eleições para evitar aproveitamentos políticos.

Do outro, estava a viúva Ana Paula dos Santos e os seus três filhos em comum com José Eduardo dos Santos, que queriam que o ex-presidente fosse enterrado em Angola.

Esta pretensão foi apoiada pelo Governo angolano que anunciou a intenção de fazer um funeral de Estado, mas teve de se contentar logo após a morte com um velório sem corpo, enquanto se aguardava a decisão das instâncias judiciais.

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