Com o número de infeções a aumentar em Portugal, especialistas de saúde e Governo juntam-se esta quarta-feira no Infarmed para discutir a evolução da pandemia. Este encontro surge antes da realização do Conselho de Ministros, marcado para quinta-feira.
De acordo com a informação avançada pelo coronel Carlos Penha Gonçalves, nos próximos três meses poderão ser vacinadas cinco milhões de pessoas, elegíveis para tomar a primeira dose da vacina contra a covid-19 ou a dose de reforço.
A especialista Raquel Duarte revelou que, "perante uma situação de não alerta", que é a situação que se vive atualmente, será possível colocar em prática "uma redução das medidas restritivas".
No entanto, é necessário ter uma base de medidas de precaução, alerta a especialista.
"Temos de manter o reforço da vacinação, a ventilação e climatização adequadas do espaços fechados, continuar a usar certificado digital e teste negativo por rotina nos espaços públicos, a promoção do autoteste por rotina, manter a distância, garantir que os espaços fechados são seguros, a higienização frequente das mãos e o cumprimento da proibição do consumo de bebidas alcoólicas na via pública."
"Promover a utilização do autoteste com a possibilidade de validação, presencial ou remota, por profissionais de saúde, assim como o seu registo para efeito de certificação", explicou a pneumologista Raquel Duarte.
Os especialistas defendem mais autonomia para a população, com a utilização dos testes rápidos e defendem que, após um resultado positivo, a pessoa pode identificar os contactos de risco.
A partir de 850 respostas, feitas durante o período das festas, a Escola Nacional de Saúde Pública traçou o comportamento dos portugueses em relação à covid-19. "A perceção do risco foi variando", revelou a especialista Andreia Leite. Aliás, a perceção do risco foi moderado ou elevado para 67% dos inquiridos - o que se traduziu num aumento.
Verificou-se também uma diminuição do uso de máscara, sobretudo na última quinzena do mês de dezembro, que coincidiu com o período das festas.
No entanto, o número de teste aumentou consideravelmente neste período.
"Podemos dizer que aquilo que já se observava com a variante Delta na sua relação com a vacinação, agora é muito claro. Há uma dissociação inequívoca entre o número de casos, a infeção e a gravidade consequente, ou seja, a transformação da infeção em doença", explicou o epidemiologista Henrique Barros. "Este é um primeiro dado essencial", acrecsentou.
O epidemiologista sublinha a diminuição das medidas restritivas, comparativamente aos últimos meses, que permite uma maior circulação do vírus. Este contexto não se traduz no aumento de casos de doença grave, alerta Henrique Barros.
As medidas restritivas implementadas na primeira semana de janeiro, explicou Baltazar Nunes, podem reduzir em 30% os contactos. Se esta percentagem se verificar, e tendo em conta a perda de eficácia da vacina e a toma da dose de reforço, o número de infeções diárias poderá oscilar entre os 40 mil e os 130 mil casos.
Baltazar Nunes indicou ainda que o pico da incidência poderá verificar-se na segunda semana de janeiro.
Em Portugal, "o crescimento parece ser mais acentuado do que em Inglaterra e na Dinamarca". "Estamos a crescer 12% ao dia", acrescentou Baltazar Nunes.
"Pode ser porque testamos mais, porque houve um efeito das festas, mas claramente estamos a crescer a uma grande velocidade".
Baltazar Nunes, do INSA, escolheu a Dinamarca e o Reino Unido para contextualizar a evolução da pandemia, referindo que "há um padrão semelhante em toda a Europa".
"A incidência ultrapassa níveis históricos". No entanto, quando comparados os números de internamentos em cuidados intensivos, não se verifica um crescimento.
Ana Paula Rodrigues, do INSA, falou sobre a gravidade da infeção e sobre a efetividade da vacina e revelou, segundo estudos mais recentes, que "os casos internados pela Ómicron representavam um terço daquilo que seria esperado se houvesse um igual risco de internamento do que observado na variante Delta".
Foi também observado um risco de reinfeção "10 vezes superior no caso da variante Ómicron, fruto do provável escape imunológico desta variante".
O microbiologista apresentou ainda o impacto que a variante Ómicron tem nos doentes, através de um estudo com hamsters infetados com Ómicron e com outras variantes . "Originou infeções menos severas, muitas vezes limitadas às vias respiratórias superiores: nariz, garganta e traqueia".
"Os hamsters infetados com Ómicron tiveram menos danos nos pulmões e menor taxa de morte".
João Paulo Gomes explicou a diferença entre a infeção através da variante Delta e a variante Ómicron.
"A maior transmissibilidade não me parece estar associada à quantidade de vírus expelidos por aerossóis, mas sim à maior rapidez com que nos tornamos infecciosos e à capacidade da Ómicron fugir ao nosso sistema imunitário".
A variante Ómicron tem mais mutações do que a variante Delta, o que se traduz em maior transmissibildiade.
Os estudos realizados na Universidade de Hong Kong e de Cambridge revelam que a variante Ómicron se multiplica perto de 70 vezes mais rapidamente do que a variante Delta.
Para analisar o contexto da variante Ómicron, o microbiologista João Paulo Gomes anunciou que esta variante já era dominante em Lisboa antes do Natal e registava-se em níveis residuais no Algarve. Dias mais tarde, a incidência aumentou no Algarve, provavelmente motivada pela atividade turística.
Já sobre a faixa etária, João Paulo Gomes refere que a maior disseminação desta variante ocorreu na faixa etária dos 20 aos 29 anos.
Na primeira apresentação no Infarmed, Pedro Pinto Leite sublinhou que o país está a atingir "valores históricos desde o início da pandemia". "Este aumento de incidência traduz-se numa forte tendência crescente" e o maior aumento foi nos grupos etários mais jovens.
O número de internamentos está 28% acima do período homólogo, explicou Pedro Pinto Leite. Ainda assim, o número de internados em cuidados intensivos manteve-se relativamente à linha vermelha determinada, sendo o nível de alerta de 255 camas por 100 mil habitantes.
Em relação a Lisboa e Vale do Tejo, esta região regista um aumento em relação aos internamentos em 50%. "Mas o número de camas em cuidados intensivos estabilizou".
Pedro Pinto Leite mostrou ainda uma análise sobre o risco de hospitalização por estado vacinal. Aqui, o risco de hospitalização dos não vacinados é 17,8 vezes superior no grupo etário com 80 ou mais anos em relação aos que têm vacinação completa.