Nuno Jacinto considera que as indicações da DGS não são claras quanto às responsabilidades de prescrição destes medicamentos.
Os médicos de família pediram esta terça-feira à Direção-Geral de Saúde que esclareça se podem ou não prescrever os medicamentos para tratar a obesidade, considerando que barrar a prescrição a estes clínicos afunila o acesso.
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"Isto não é ter o doente no centro, afunila o acesso e nós não podemos achar que a obesidade, com o impacto que tem, com a prevalência que tem, que vai ser toda tratada farmacologicamente nos cuidados hospitalares", disse à Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Nuno Jacinto.
O responsável falava a propósito do Percurso de Cuidados Integrados para a Pessoa com Obesidade (PCIPO), da Direção-Geral da Saúde (DGS), que define todos os passos que estas pessoas terão de dar dentro do Serviço Nacional de Saúde para terem acesso aos medicamentos para tratar a obesidade, que neste momento precisa de receita médica e não é comparticipado.
Nuno Jacinto considera que este documento "não é claro" quanto às responsabilidades de prescrição destes medicamentos, pois inicialmente abre a porta a que possa ocorrer nos cuidados primários, mas depois atribui a responsabilidade de prescrição aos médicos do núcleo dos cuidados hospitalares, designadamente às especialidades de Endocrinologia, Medicina Interna e Pediatria.
"Já assumir que era numa consulta multidisciplinar de obesidade dentro dos centros de saúde era esquisito, porque era a mesma coisa que eu dizer a um doente que hoje está aqui comigo, sou o seu médico de família, vamos falar da diabetes, vamos falar da hipertensão, do colesterol, da artrose, agora da obesidade vai amanhã, ou daqui a uma semana, à consulta de um colega meu, porque eu não sou capaz de o ver", explicou Nuno Jacinto.
Com esta estratégia, referiu, está-se "a cortar os doentes às fatias": "Agora fazemos este percurso para a obesidade, depois fazemos um percurso para a diabetes, um percurso para a hipertensão, mas esquecemos que a pessoa é a mesma", acrescentou.
Considerou que não faz sentido o médico de família não poder prescrever estes medicamentos, explicando que são idênticos aos da diabetes, que hoje prescrevem: "Aquele famoso chavão do doente no centro do percurso e dos cuidados não está a acontecer".
"Se é por uma questão financeira, então assumamos, enquanto Estado, que nós não temos dinheiro para tratar todos os obesos e só vamos tratar os mais graves (...). Não podemos andar é com subterfúgios", afirmou.
Segundo a análise ao impacto orçamental da comparticipação dos medicamentos para tratar a obesidade feita pelo Infarmed, o Estado gastaria, pelo menos, entre 194,8 e 954,4 milhões de euros para comparticipar por dois anos estes fármacos aos 170.405 doentes que estão dentro dos critérios definidos no PCIPO para ter acesso à medicação.
Estes valores têm em conta comparticipações entre os 15% e os 90%, sendo que o valor mais alto representa uma despesa de quase metade do total gasto pelo SNS em medicamentos entre janeiro e setembro deste ano (2.381,4 milhões).
Nos critérios de prescrição indicados, o Infarmed aponta os médicos dos núcleos de cuidados hospitalares pertencentes às equipas multidisciplinares de obesidade (EMO) no Serviço Nacional de Saúde, aludindo ao PCIPO.
No estudo, o Infarmed analisou os custos da comparticipação tanto neste cenário -- utentes com critérios do PCIPO (entre 170.405 e 180.880) - como no caso da estimativa da população adulta (entre os 25 e os 74 anos) com obesidade, que atinge os 2.008.386, segundo o Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF).
Se a comparticipação contemplasse estes mais de dois milhões de adultos obesos que se estima existam em Portugal, a despesa com a comparticipação destes medicamentos -- tendo em conta dois anos de tratamento com todos os doentes a entrarem ao mesmo tempo -- poderiam variar entre 2.296 milhões e os 11.248 milhões de euros, quase cinco vezes mais do que o SNS gastou em medicamentos entre janeiro e setembro deste ano (2.381,4 milhões).
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