Sábado – Pense por si

João Vaz de Almada, em Maputo
João Vaz de Almada, em Maputo Jornalista e consultor de comunicação moçambicano
06 de novembro de 2024 às 19:18

Moçambique entre o Largo do Carmo e a Praça Tiananmen

Há pouco, na derradeira live antes do Dia D, Venâncio disse acreditar piamente que a polícia moçambicana não vai amanhã disparar sobre o seu próprio povo, e pediu à população para levarem rosas para enfeitar os canos das armas dos "nossos irmãos".

Nunca um amanhã foi tão imperscrutável. Não há sonda, por maior e melhor que ela seja, que nos transmita, com um mínimo de precisão, o que se poderá passar a partir das 7h00 da manhã em Moçambique.

Quando o mundo ainda estiver a viver a babalaza** das eleições mais importantes do globo, nós, moçambicanos, podemos estar a viver o nosso dia mais determinante, depois daquela noite de 25 de Junho de 1975, quando na Machava, sob uma chuva fora de época, nasceu, pela voz determinada de Samora Machel, a República Popular de Moçambique

Amanhã, acredito por mera coincidência de calendário, teremos, tal como a Rússia em 1917, o nosso 7 de Novembro. Na Rússia, nesse dia, triunfou a revolução bolchevique ou de Outubro***, colocando no poder um regime, chefiado por Vladimir Lenine, que construiu radicalmente, sob os escombros de um império completamente decadente, que não conseguia dar resposta as necessidades mais básicas do seus cidadãos, uma sociedade radicalmente nova que fez tábua-rasa de tudo, acreditando estar a construir o Homem-Novo.

Amanhã, em Moçambique, na grande marcha, também estarão, frente-a-frente, dois polos totalmente apostos. O governo, liderado pela Frelimo, no poder há 50 anos, com todos os vícios e defeitos decorrentes da arrogância de quem pensa que país não existe sem a Frelimo no poder. Aliás, um dos estribilhos, particularmente caro ao ideólogo  do partido Marcelino dos Santos, sempre foi a "Frelimo é o povo" e vice-versa, "o povo é a Frelimo". E os jovens que constituem 80% da população e que querem sair da pobreza absoluta, que querem voltar, tal como em Junho de 1975, a ter esperança num país que há muito lhes voltou as costas, na saúde, na educação, no acesso ao mercado de trabalho, no usufruto das riquezas naturais – e não são poucas. Só a corrupção, cada vez mais enraizada a todos os níveis da sociedade, não lhes voltou as costas, antes pelo contrário, permanece como uma sanguessuga, sorvendo-lhes os recursos cada vez mais parcos.

Venâncio Mondlane, o candidato à presidência nas eleições do passado dia 9 de Outubro e que, de acordo com os resultados apresentados pela Comissão Nacional de Eleições foi derrotado por Daniel Chapo, o candidato da Frelimo, insistindo sempre na reposição da verdade eleitoral, fala, nas suas lives, em parte incerta, como nunca ninguém lhes falou, do porquê das suas frustrações e das razões da sua pobreza absoluta. Os jovens já as têm bem identificadas.

Há pouco, na derradeira live antes do Dia D, Venâncio disse acreditar piamente que a polícia moçambicana não vai amanhã disparar sobre o seu próprio povo, e pediu à população para levarem rosas para enfeitar os canos das armas dos "nossos irmãos".

Se o seu wishful thinking se cumprir poderemos ter uma espécie de 25 de Abril moçambicano. Mas, se não se cumprir, poderemos ter um 4 de Junho de Tiananmen. Alea jacta est.

**Ressaca em machagane, língua do sul de Moçambique

***A Rússia adoptava nesse tempo o calendário Juliano

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