Com 800 euros de rendimento líquido médio, ausência de redes protectoras, precariedade laboral e receio do futuro, os engenheiros, arquitectas, advogadas, enfermeiros e numerosos técnicos qualificados que faziam bater o coração do Homem Médio português perderam o prestígio e o nível económico
Trabalhei com Vasco Pulido Valente durante dois anos no Caderno 3 - Vida d'O Independente. Além de ter tido o privilégio de integrar a derradeira idade de ouro criativa do jornalismo português - se houve uma Nouvelle Vague, um Tropicalismo ou um New Journalism na imprensa portuguesa, ela surgiu, goste-se ou não, com o semanário de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas -, discutir diariamente reportagens com o Vasco era como frequentar um crash course em inteligência quântica: Portas e MEC são mentes brilhantes (Portas no desenho lógico, MEC pelo alegre dilúvio das ideias), mas o raciocínio de Pulido Valente convertia-se em raio de luz sobre o vasto nevoeiro editorial. Aprendi muito com ele (acho que ele não detestou trabalhar comigo), e a entrevista que aqui deu na semana passada confirma não ter perdido o dom de medir o pulso pátrio. Claro que continua um bocadinho associal - o próprio o admite -, sem pachorra para os medíocres e descrente profundo na natureza humana (se VPV não é um pessimista, Nietzsche era um bon vivant contador de anedotas). Na entrevista, VPV alerta para a mais importante mudança estrutural da sociedade portuguesa na última década: a perda de nível económico e de status social da classe média. Com 800 euros de rendimento líquido médio, ausência de redes protectoras, precariedade laboral e receio do futuro, os engenheiros, arquitectas, advogadas, enfermeiros e numerosos técnicos qualificados que faziam bater o coração do Homem Médio português perderam o prestígio e o nível económico a partir de 2008. É essa imensa mole de gente exausta, subvalorizada e mal paga que tende a responder a soluções políticas extremas, não os mais pobres ou as elites. Mais do que a "indiferença dos bons" de que Burke falava ou a revolta das faixas populacionais abandonadas à miséria perpétua, é este novo proletariado da classe média que faz crescer o discurso securitário, as medidas anti-imigração, a xenofobia e a vitoriosa insanidade dos líderes populistas. Três clássicos discretos da historiografia, Defying Hitler: a Memoir, de Sebastian Haffner, They Thought They Were Free: The Germans, 1933-45, de Milton Mayer e Broken Lives: How Ordinary Germans Experienced the Twentieth Century, de Konrad H. Jarausch, agora reeditados, demonstram que não foram os casos perdidos, as margens, os extremistas ou, sequer, a indiferença que levaram à ascensão do nazismo na Alemanha dos anos 30. Foi a mudança do ressentimento e das enormes dificuldades económicas da república de Weimar para um quotidiano de estabilidade e de desafogo financeiro da maioria que ditou o triunfo de Hitler. O Homem do Meio de Weimar sancionou e aplaudiu o Terceiro Reich porque este respondia às suas necessidades básicas. Por agora, Portugal permanece um oásis de incentivo à imigração, aldeia que resiste ainda e sempre ao invasor da demagogia. Mas o Homem do Meio, sem homens do leme à altura, arrisca-se a naufragar a qualquer momento num oceano de intolerância. E então, sim, tudo estará perdido.
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