A aleatoriedade com que a morte opera é das coisas mais perversas que calharam a quem vive; é o preço por termos tanta coisa bonita à nossa volta, o de saber que ou se engole tudo com sofreguidão, ou então depois talvez já não haja tempo para mais.
A MORTE ANDA A PASSAR muito por aí. A força desse monstro é capaz de levar à frente tudo o que nos resta de esperança em alguém. Leva-se a pessoa, e fica o que ela deixou para trás enquanto era viva; mas não há nada que a traga de volta – nem frases feitas, nem vídeos, nem fotografias, nem sequer pensar muito nela. Pensar muito em alguém que já não está, só nos relembra das saudades que temos de quem foi para muito longe. Alguém disse uma vez que “uma pessoa só morre quando a última pessoa que se lembrar dela também morrer”. A tragédia desta frase é a de ser bonita mas não trazer ninguém de volta. A característica definitiva do fim não deixa espaço para voltar a carne, o abraço, o cheiro, a voz, nem tudo o que aquele corpo leva com ele para parte incerta. Cada vez que morre alguém que conhecemos, ficamos a estremecer por termos sentido o estrondo aqui tão perto. É um trovão que não nos apanha por pouco, um baque que faz com que o coração salte um compasso que nunca mais vai agarrar. A aleatoriedade com que a morte opera é das coisas mais perversas que calharam a quem vive; é o preço por termos tanta coisa bonita à nossa volta, o de saber que ou se engole tudo com sofreguidão, ou então depois talvez já não haja tempo para mais. As pessoas que morrem também disseram “até amanhã”, e nem isso as salvou de falharem à promessa. O Nuno, que trabalhava no Teatro São Luiz, e que fazia parte da história do teatro desde que eu me lembro de lá entrar, morreu em menos de nada. Teve um mês para perceber que a coisa era capaz de ser feia, e que não ia ter direito ao futuro que tinha planeado. Ainda há pouco mais de um mês recebia com um sorriso quem entrava no teatro, e depois, como nos filmes maus, chegou ao fim com o resto da história por contar. Um cancro, essa palavra que só tem seis letras e mesmo assim consegue um frémito maior do que o alfabeto todo junto; e essa palavra monstro deu-lhe um mês – foi o tempo que teve até o arrancar de cá. E depois? Depois fica a memória que cada um escolheu guardar, mas a falta de alguém é uma coisa que não tem nada que a compense.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.