Não será exagerado e talvez egocêntrico ligar para as urgências porque estamos sós e nos ferimos com gravidade em casa? Foi qualquer coisa muito cortante que se enganou na posta de carne
Não será exagerado e talvez egocêntrico ligar para as urgências porque estamos sós e nos ferimos com gravidade em casa? Foi qualquer coisa muito cortante que se enganou na posta de carne, mas ainda assim piedosa o suficiente para que possamos andar, encontrar um telefone, pensar em digitar um número, urdir um torniquete com o bordado Madeira da avó, não estancar a hemorragia porque temos muito sangue e as coisas já estão um pouco turvas após dois copos de vinho branco. Oh, o vinho! Com que esmero tratávamos do vinho branco, o preferido do Pai. Todo aquele ritual que começava no supermercado, um olhar em código para o sr. Amândio, o chefe da garrafeira que guardava sempre aquelas "pomadinhas" para o almoço de Domingo. O Pai morreu, mas o vinho não. Nem os Domingos, embora disto não esteja tão certo. Já em casa, prosseguia o ritual com uma curta estadia no congelador. 10 minutos, nem mais nem menos, cronometrado pelo relógio que mantinha o fuso horário de Angola. Depois, uma passagem pelo frigorífico, enquanto se tempera qualquer coisa ou se espera pelo frango no churrasco que a Mãe há-de trazer do Góis. Um rapaz chega quase a homem quando o Pai lhe entrega a garrafa, o saca-rolhas e delega no herdeiro a missão de não beber Domingos com cortiça. Correu mal algumas vezes, mas o coador safava. Só ficavam bocadinhos quase imperceptíveis a boiar na minha maioridade teórica e terrivelmente inábil. "Até dá um agostinho", dizia o Pai em trocadilho com o próprio nome. E o cunhado ria-se. Bons tempos que duraram o suficiente para eu poder abrir a garrafa com mestria, como se disso dependesse o enxoval que a avó promete desde as primeiras amigas que vinham cá a casa estudar para os testes de Religião e Moral.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.