Sábado – Pense por si

Ricardo Borges de Castro
Ricardo Borges de Castro Analista e Consultor
14 de novembro de 2025 às 07:00

O momento da Europa para a antecipação estratégica*

Os decisores políticos europeus continuam a ser ‘surpreendidos’ por acontecimentos e incerteza. Mais atividade prospetiva na Europa é certamente bem-vinda.

Visto de Bruxelas, existe uma janela de oportunidade para a Europa reforçar as suas capacidades de antecipação estratégica. É esta ideia que Leopold Schmertzing e eu defendemos num texto recente a convite da ELIAMEP, Fundação Helénica para a Política Europeia e Externa, e que aqui republico. Nos últimos anos, a União Europeia aumentou o seu investimento em capacidades de prospetiva e de análise de futuros. Nas suas instituições – Comissão Europeia, Parlamento Europeu, Conselho da UE e Serviço Europeu de Ação Externa – e coletivamente através do Sistema Europeu de Análise de Estratégias e Políticas (ESPAS), uma rede interinstitucional da UE focada nas tendências globais, tem havido um esforço concertado para dotar a Europa de capacidades antecipatórias mais robustas. No entanto, acontecimentos recentes mostram que estes processos não permearam suficientemente a UE e, em especial, os seus países membros.  

Navegar à Vista

Este ano revelou, uma vez mais, que a Europa continua impreparada para fazer face a acontecimentos e crises plausíveis. A reeleição de Donald Trump e a incerteza que trouxe para as relações internacionais e para o comércio global, a constante evolução das formas de agressão de Moscovo à Ucrânia e a crescente intimidação híbrida contra a Europa, e o recente choque na cadeia de fornecimento de chips da Nexperia: o que mais precisa de acontecer para que a Europa deixe de ser apanhada de ‘surpresa’ e finalmente atue em vez de reagir?  

Embora não existam bolas de cristal na elaboração de políticas públicas e não seja possível prever o futuro, há maneiras de melhorar a forma como os governos e as instituições europeias se preparam, respondem e, se possível, atenuam ou evitam crises futuras. Chama-se prospetiva estratégica. Ora, na atualidade, a antecipação de futuros não deve ser vista como um ‘artigo de luxo’, mas sim como uma prática estabelecida e necessária. 

A preparação e a construção de resiliência começam com a prospetiva: identificando desenvolvimentos plausíveis e de alto impacto, antes de pensá-los sistematicamente – desde suas origens e implicações até maneiras de, potencialmente, evitá-los. Isto requer capital político e investimento, mas é dinheiro bem gasto: a realidade é que os atuais níveis de incerteza, volatilidade e agitação geopolítica e geoeconómica devem manter-se ou mesmo agravar-se.  

Gestão de Crises ou Democracia Inteligente 

A Europa não pode depender de cimeiras de emergência dos 27 ou de negociações de bastidores improvisadas para definir o seu lugar num sistema internacional em mutação, para garantir a sua segurança e autonomia ou para recuperar a sua força económica. A UE tem de passar da ‘gestão de crises’ constante para uma ‘democracia antecipatória.’ 

Ao longo dos últimos anos, a União Europeia reforçou as suas capacidades de antecipação e de planeamento, criando unidades e serviços de prospetiva integradas nos ciclos de decisão e de elaboração de políticas públicas. Atualmente, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, o Conselho da UE, o SEAE e os Comités Económico e Social e das Regiões dispõem de instrumentos e processos de antecipação mais sólidos do que no passado. Por sua vez, a rede ESPAS continua a proporcionar um fórum para as instituições e agências da UE colaborarem informalmente e partilharem as suas perspetivas sobre os desafios e oportunidades futuras, contribuindo, também, para reforçar mecanismos internos de prospetiva e preparação em toda a União. 

No mesmo sentido, países como a Espanha ou Portugal juntaram-se a outros, como a Finlândia, a Estónia ou a Eslovénia, na integração da prospetiva nos seus sistemas de governo ou parlamentos, através da criação de novos departamentos governamentais para o planeamento e a antecipação estratégica. A recente criação de uma Unidade de Prospetiva no novo Conselho de Segurança Nacional alemão é um sinal relevante adicional que pode ser um modelo para outros países europeus. Além disso, desde o início de 2020, existe uma rede de ministros para o futuro à escala da UE que procura abordar questões fundamentais para o futuro da Europa.  

Apesar destes desenvolvimentos positivos e do potencial das capacidades existentes para pensar e planear o futuro, os decisores políticos europeus continuam a ser ‘surpreendidos’ por acontecimentos e incerteza. Mais atividade prospetiva na Europa é certamente bem-vinda. Mas, o que a UE precisa mesmo é de melhor prospetiva, que seja mais ágil e eficaz e que, acima de tudo, não fuja a temas políticos difíceis. 

Janela de Oportunidade para Europa? 

Existe, agora, uma janela de oportunidade para a UE reforçar as suas capacidades estratégicas e de antecipação e tornar-se numa plataforma mundial de prospetiva estratégica. 

Neste contexto, as instituições da UE devem fazer um exercício de Lessons Learned (ou «lições aprendidas») para avaliar o que funcionou e o que não funcionou nos últimos dez anos no reforço das capacidades de antecipação e preparação estratégica. Embora estes processos de aprender com o passado sejam mais comuns nos EUA, é crucial que a UE compreenda o que precisa de ser melhorado, onde estão as sobreposições e duplicações desnecessárias e dispendiosas e onde a colaboração ou a divisão de tarefas é necessária ou mais eficaz.  

Alguns dos problemas da antecipação estratégica no quadro europeu são comuns a outras partes do mundo: fragmentação do trabalho de prospetiva dentro e fora de instituições, processos que evitam temas politicamente carregados, fraca ligação da prospetiva a decisores políticos, ou descontinuidade de atividades prospetivas após novos ciclos eleitorais. Mas, valeria a pena estudar e compreender quais são os desafios específicos à UE que prejudicaram o impacto dos atuais esforços de antecipação. Conhecer os pontos fracos é o primeiro passo para reforçar a cultura de preparação na UE. 

A necessária reavaliação e revisão das capacidades de prospetiva da UE é mais urgente do que nunca, porque acontece numa altura em que parceiros próximos, como os Estados Unidos – conhecidos pelo seu forte trabalho de prospetiva – estão a reduzir o seu alcance ou a encerrar processos importantes, como o relatório Tendências Globais. Contrariamente, concorrentes como a China ligam a antecipação, o planeamento e a definição de prioridades nos seus planos quinquenais – atualmente o décimo quinto.  

Desde 2019, Singapura também não organiza o seu tradicional Simpósio Internacional de Avaliação de Riscos e Exploração de Horizontes (IRAHSS). Isso abriu uma lacuna para o que costumava ser a principal reunião global sobre prospetiva estratégica, riscos e oportunidades futuras, que reunia, a cada dois anos, estrategas, analistas, policymakers e decisores políticos de todo o mundo. 

Chegou o Momento 

Embora a UE não possa substituir os EUA ou Singapura, a rede ESPAS, que organizou ontem a sua conferência anual, deve aproveitar este momento para se posicionar como um fórum de prospetiva estratégica à escala internacional. Tal como aconteceu durante o primeiro mandato do Presidente Trump, a rede ESPAS, para além de poder proporcionar um bem comum global de análise de futuros, pode reforçar o multilateralismo e a colaboração internacional de longo-prazo, melhorando a resiliência europeia e as suas capacidades estratégicas.  

* Este artigo foi escrito conjuntamente com Leopold Schmertzing para a Fundação ELIAMEP. 

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