A PSP enfrenta hoje fenómenos que não existiam ou eram marginais em 2007: ransomware, ataques híbridos a infraestruturas críticas, manipulação da informação em redes sociais. Estes fenómenos exigem novas estruturas orgânicas dedicadas ao ciberespaço, com autonomia, meios próprios e formação contínua.
A segurança é, desde sempre, um dos pilares da soberania e do contrato social. A Polícia de Segurança Pública (PSP), como força de segurança de natureza civil, tem desempenhado em Portugal um papel central na prevenção do crime, na manutenção da ordem pública e na garantia do exercício dos direitos fundamentais. Contudo, a estrutura normativa que enquadra a PSP – a sua Lei Orgânica – encontra-se hoje desajustada face às exigências contemporâneas.
A atual Lei Orgânica da PSP (Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto, alterada pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto) foi concebida num tempo em que o terrorismo internacional ainda era percecionado sobretudo no plano físico, em que o cibercrime era incipiente e em que a sociedade portuguesa não dispunha da atual sensibilidade para os temas da transparência policial, da proteção de dados e da valorização profissional.
É por isso urgente iniciar um processo de revisão profunda, que vá além da simples reorganização administrativa e que redefina a própria identidade da PSP como instituição central da segurança interna do século XXI.
A história da PSP acompanha a própria evolução do Estado moderno português. Desde as suas origens oitocentistas, como polícia de ordem em contexto urbano, até à sua consolidação no século XX, a PSP foi muitas vezes interpretada como instrumento de autoridade do Estado mais do que como força de proximidade ao cidadão.
A Constituição de 1976 e a progressiva democratização do regime exigiram uma transformação de fundo: a PSP deixou de ser vista apenas como braço armado da autoridade e passou a assumir-se como polícia civil, preventiva e comunitária, em contraponto à GNR, de natureza militar, mais vocacionada para o espaço rural.
As leis orgânicas subsequentes refletiram essa tensão entre tradição e modernidade. Contudo, ao longo do século XXI, o ritmo da mudança social e tecnológica passou a ser muito superior à capacidade de adaptação normativa. A Lei de 2007 modernizou a PSP, mas já não responde às atuais exigências da criminalidade digital, da globalização da ameaça e da crescente exigência cidadã de transparência.
A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu artigo 272.º, que “as forças de segurança têm por função defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos”. Esta disposição tem um alcance profundo: significa que a polícia não é apenas um garante de ordem, mas também um instrumento de garantia dos próprios direitos fundamentais.
Ora, este equilíbrio é difícil e delicado. Uma nova Lei Orgânica deve refletir essa tensão permanente entre eficácia e liberdade, reforçando:
A subordinação da PSP ao poder civil e democrático;
O princípio da proporcionalidade no uso da força;
A transparência e o escrutínio democrático da sua atuação.
Sem esta ancoragem constitucional, qualquer tentativa de modernização tecnológica corre o risco de ser percecionada como ameaça à privacidade e não como reforço da segurança.
Criminalidade transnacional e cibercrime
A PSP enfrenta hoje fenómenos que não existiam ou eram marginais em 2007: ransomware, ataques híbridos a infraestruturas críticas, manipulação da informação em redes sociais. Estes fenómenos exigem novas estruturas orgânicas dedicadas ao ciberespaço, com autonomia, meios próprios e formação contínua.
Segurança urbana e proximidade
Num tempo de crescente desconfiança em instituições públicas, o policiamento de proximidade é fundamental. Não basta existir “mais polícia na rua”; é necessário existir uma polícia que dialogue, que compreenda as comunidades multiculturais, que saiba mediar conflitos sociais. A atual lei pouco valoriza este eixo, reduzindo-o a uma divisão operacional.
Valorização profissional e estatuto do agente
O sentimento de injustiça salarial e a estagnação nas carreiras têm fragilizado a motivação interna da PSP. Uma nova lei deve prever modelos de progressão claros, uma política salarial competitiva e a valorização da formação técnica e académica.
Articulação institucional
Persistem zonas cinzentas de competências entre PSP, GNR, Polícia Municipal e PJ. Uma nova lei deve clarificar funções e promover protocolos de cooperação obrigatórios, especialmente em matéria de trânsito urbano, fiscalização administrativa e combate ao cibercrime.
Perspectiva comparada internacional
Outros países europeus já empreenderam reformas estruturais recentes nas suas forças policiais:
Espanha reformou em 2015 a Ley Orgánica de Protección de la Seguridad Ciudadana, clarificando competências da Policía Nacional e da Guardia Civil, com reforço da componente tecnológica.
França reorganizou a Police Nationale, atribuindo maior autonomia às unidades regionais para lidar com terrorismo e cibercrime.
Reino Unido investiu no modelo de Community Policing, tornando-o eixo estratégico das forças locais, com ênfase em confiança e prevenção.
Portugal arrisca ficar para trás se não reformar o enquadramento legal da PSP.
Propostas de orientação para uma nova Lei Orgânica
Criação de uma Direção Nacional de Cibersegurança Policial, com estatuto equivalente a outras grandes diretorias.
Reforço das unidades metropolitanas, com maior autonomia operacional e de investigação.
Institucionalização do Policiamento Comunitário como função central, e não periférica.
Integração clara das Polícias Municipais sob protocolos funcionais com a PSP.
Estabelecimento de mecanismos de auditoria externa e cidadã, reforçando a confiança pública.
Reformulação profunda das carreiras e estatutos remuneratórios.
Dimensão política da reforma
A discussão de uma nova Lei Orgânica transcende o plano técnico. É uma decisão política de grande alcance.
Para uns, será uma oportunidade de reforçar a autoridade do Estado num tempo de insegurança.
Para outros, será um teste à capacidade de garantir segurança sem resvalar para práticas de vigilância massiva.
Uma lei deste alcance só será eficaz se for construída por consenso político alargado e se envolver académicos, sindicatos policiais, autarcas e sociedade civil.
A PSP do século XXI não pode ser a mesma de 2007. A nova Lei Orgânica deve nascer de um duplo imperativo: a defesa do Estado de direito democrático e a proteção dos cidadãos. Só assim a polícia será não apenas instrumento de autoridade, mas também garante de liberdade.
Adiar esta reforma é correr o risco de manter uma PSP desajustada às novas ameaças e de perpetuar a insatisfação dos seus profissionais. Antecipá-la é reafirmar que Portugal pretende ter uma força policial moderna, valorizada e legitimada.
A discussão sobre uma nova Lei Orgânica da Polícia de Segurança Pública não pode limitar-se à arquitetura administrativa ou à redefinição de competências. A questão central é mais profunda: trata-se de decidir que modelo de polícia queremos para Portugal nas próximas décadas.
Se é verdade que a evolução tecnológica e a transformação da criminalidade exigem novas estruturas e novas ferramentas, é igualmente verdade que nenhuma reforma será eficaz se não for acompanhada de uma renovação do estatuto social e profissional dos polícias. Uma polícia moderna não se constrói apenas com algoritmos, drones ou direções especializadas; constrói-se com homens e mulheres motivados, reconhecidos e respeitados.
As carreiras policiais encontram-se hoje marcadas por um paradoxo doloroso: exige-se dos agentes e oficiais níveis crescentes de responsabilidade, risco e profissionalismo, mas o reconhecimento material e social não acompanha essas exigências. O resultado é visível em vários planos: dificuldade em recrutar novos efetivos, elevada rotatividade interna, desmotivação e protesto sindical recorrente.
Uma nova Lei Orgânica deve, por isso, consagrar de forma clara três compromissos fundamentais:
Carreiras renovadas e atrativas – com percursos profissionais transparentes, critérios de progressão claros e valorização do mérito.
Reconhecimento financeiro efetivo – um sistema remuneratório que reflita o risco e a complexidade das funções policiais, assegurando condições de vida dignas e competitivas face a outras carreiras do Estado.
Valorização social – a polícia deve ser reconhecida não apenas como braço armado do Estado, mas como ator social central, capaz de mediar conflitos, apoiar comunidades vulneráveis e reforçar a coesão social.
Ignorar estes aspetos é condenar qualquer reforma a ser incompleta e ineficaz. Uma polícia desmotivada não pode ser uma polícia de proximidade, tal como uma polícia mal remunerada não pode ser uma polícia respeitada. A autoridade do Estado depende, em última análise, da legitimidade moral e social dos seus agentes.
A nova Lei Orgânica deve, assim, ser encarada como uma oportunidade histórica para reconciliar a PSP com os seus profissionais e com a sociedade. Trata-se de desenhar uma polícia que seja simultaneamente:
tecnologicamente avançada, capaz de enfrentar o cibercrime e as ameaças híbridas;
socialmente próxima, investida de confiança por parte dos cidadãos;
profissionalmente valorizada, com carreiras dignas e remuneração adequada;
democraticamente legitimada, submetida a escrutínio, proporcionalidade e respeito pelos direitos fundamentais.
Adiar esta reforma é perpetuar um modelo de polícia desajustado e injusto, condenado à frustração interna e à desconfiança externa. Avançar com coragem política e visão estratégica é afirmar que Portugal está preparado para enfrentar os desafios da segurança do século XXI sem abdicar da dignidade dos seus polícias nem dos valores democráticos que fundam o nosso Estado de direito.
A nova Lei Orgânica da PSP deve ser, portanto, não apenas uma lei administrativa, mas uma lei de compromisso social: compromisso com os profissionais que diariamente arriscam a vida pela segurança de todos, e compromisso com os cidadãos que merecem uma polícia moderna, eficaz e justa.
A questão é, portanto, política e estratégica: queremos uma polícia preparada para o passado ou para o futuro?
A urgência de uma Nova Lei Orgânica para a PSP: entre a tradição e o futuro da Segurança Interna
A PSP enfrenta hoje fenómenos que não existiam ou eram marginais em 2007: ransomware, ataques híbridos a infraestruturas críticas, manipulação da informação em redes sociais. Estes fenómenos exigem novas estruturas orgânicas dedicadas ao ciberespaço, com autonomia, meios próprios e formação contínua.
O descontentamento que se vive dentro da Polícia de Segurança Pública resulta de décadas de acumulação de fragilidades estruturais: salários de entrada pouco acima do mínimo nacional, suplementos que não refletem o risco real da função, instalações degradadas e falta de meios operacionais.
A evolução constante das técnicas de ataque, a interdependência digital e a escassez de quadros especializados exigem que Portugal continue a apostar numa cibersegurança estratégica, transversal, e sustentada.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
Como se organiza a segurança interna em Portugal, quem são os seus principais intervenientes, que funções desempenham, e que desafios se colocam à sua eficácia no século XXI?
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