Sábado – Pense por si

Miguel Costa Matos
Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
15 de julho de 2025 às 07:31

Letras miúdas: como proteger quem investe e quem poupa

Muito trabalho ainda há a fazer. O desconhecimento dos portugueses em matéria de literacia financeira permite muitas tropelias. Por exemplo, permitiu que o Governo baixasse de forma "excessiva" a retenção na fonte, causando os reembolsos de IRS dos portugueses a desaparecer.

Portugal é o segundo país da União Europeia com menor literacia financeira. É um dado alarmante que está por trás de um país que poupa pouco face à média europeia e investe ainda menos. Esta situação tem, seguramente, outras causas, como os baixos rendimentos, de onde pouco ou nada sobra ao fim do mês, e a elevada precariedade, que nos convida a mantermos o aforro que temos em sítios de onde o possamos resgatar com alguma brevidade. 

Não podemos ignorar, porém, uma certa desconfiança dos portugueses para com os produtos de investimento. É compreensível. Desde a crise financeira de 2008, vários foram os casos de pessoas que perderam as suas poupanças nos mercados. Podemos começar com o caso de Pedro Arroja e prosseguir pelos casos BPP, BPN, BES, BANIF e PT. É na sequência de casos como estes que, por legislação tanto europeia como nacional, têm vindo a ser adotados um conjunto de proteções para os investidores não profissionais. Entre estes, inclui-se um sistema de mediação na CMVM e um sistema de indemnização para investidores, semelhante ao que existe para os depósitos. 

Esta quarta-feira, no último plenário antes da pausa de verão, o Parlamento irá discutir projetos de lei e resolução justamente sobre este tema. Tenho o gosto de ser autor de um deles, em conjunto com a equipa do PS na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. Neste projeto, duplicamos o valor coberto pelo sistema de indemnização, de 25 para 50 mil euros, enquanto tornamos obrigatória a resposta à mediação oferecida pela CMVM, tal como sucede com o Mediador do Crédito, que existe junto do Banco de Portugal. Reconhecendo que muitos destes produtos são vendidos em agências bancárias, bem como outros produtos além do crédito, alargamos também as responsabilidades deste Mediador a outras relações bancárias. 

Pode parecer um pequeno passo, mas faz parte de um caminho que vamos trilhando desde que iniciei funções como deputado em 2019. Em 2020, apesar de ameaças de que sem comissões o MB Way ia fechar, aprovámos a isenção de comissões em pequenas operações e um limite para as restantes. Isentámos também então de comissões bancárias o processamento de prestações, o distrate e a renegociação de créditos, estabelecendo um critério de razoabilidade e proporcionalidade ao conjunto das comissões. Em 2023, fomos mais além, limitando as comissões de habilitação de herdeiros, alteração de titularidade das contas, fotocópias e segundas vias. Atentos ao facto de que os bancos associam outros produtos financeiros aos créditos, a troco de um spread mais baixo – num negócio que nos seguros de vida apenas lesa o consumidor em cerca de 300 milhões de euros – introduzimos um mecanismo de informação, item a item, que permite a cada pessoa decidir o que faz mais sentido para si. Em 2024, isentámos de comissões o reembolso antecipado dos créditos à habitação. 

Este conjunto de medidas, todas somadas, protege os portugueses da brutal desigualdade de relação entre eles, como consumidores, e os bancos. Protege-os das letras miúdas, ainda que o Banco de Portugal se recuse a usar os poderes de fiscalização que lhes consagrámos na lei. Em contraste encontramos a Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). No passado dia 30 de junho, passou um ano completo desde o fim do prazo legal para pôr em prática o Direito ao Esquecimento. Perante a inércia do Governo, no início de 2025, a ASF emitiu uma norma regulamentar indo ao encontro de uma boa parte das disposições da lei. 

Muito trabalho ainda há a fazer. O desconhecimento dos portugueses em matéria de literacia financeira permite muitas tropelias. Por exemplo, permitiu que o Governo baixasse de forma "excessiva" a retenção na fonte, causando os reembolsos de IRS dos portugueses a desaparecer. Também permite ao Governo agora fazer o número de reduzir este imposto em 500 milhões, sem justificar que representa apenas 7€ por mês para o salário médio, ou que o vai compensar com o fim da devolução das propinas aos jovens. Até conseguiu que a AD fosse dizendo que não subiu impostos quando o ISP subiu 525 milhões. 

Esta distorção vai além da realidade e afeta a maneira como encaramos a nossa vida financeira. Não é verdade que alguém no 8.º escalão, a auferir mais de 45 mil euros, pague 45% de IRS. Na verdade, com esse rendimento, pagam uma taxa média de cerca de 27%. De igual modo, é falso que os portugueses devam esperar pensões miseravelmente inferiores aos seus rendimentos. Tanto a OCDE como o Banco de Portugal apontam para o nosso país ter uma das maiores taxas de substituição da Europa, com estas em termos líquidos a superarem os 95%. Afinal, a Segurança Social não só é sustentável como oferece garantias de um futuro para as novas gerações. 

É, por isso, bem-vindo que o Governo queira reforçar o ensino da literacia financeira. Ele já era obrigatório ao abrigo da disciplina de Educação para a Cidadania mas é desejável que, através de formação de professores e avaliação de alunos, o seu ensino se torne uma maior realidade nas nossas escolas. Afinal de contas veremos que conclusões tirarão os portugueses. 

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