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Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
14.10.2025

Com ambição e sem ilusões

Ventura pode ter tido a sua imagem em cartazes pelo país fora que não engana os eleitores. Os portugueses demonstraram distinguir bem os atos eleitorais.


“As notícias da nossa morte são manifestamente exageradas.” Tal como desmentia Mark Twain, também estas eleições autárquicas serviram de prova de vida do Partido Socialista. Longe de triunfalismos disfóricos que façam vitórias de derrotas, é justo reconhecer o mérito de milhares de autarcas, vencedores da confiança dos portugueses para governar a sua terra.

Não obstante ter fracassado o objetivo de manter a ANMP e a ANAFRE, foi claramente acertada a estratégia de apostar em capitais de distrito. O PS não só segurou 4 das 5 capitais que tinha, como também conquistou outras 5, trazendo alguma doçura ao que, de resto, poderia ser uma noite eleitoral bastante amarga. Ana Abrunhosa, Isabel Ferreira, António Pina, Carlos Zorrinho e João Azevedo, com vitórias julgadas por muitos como improváveis, simbolizam, por isso, um novo rastilho de esperança para o PS.

A história também não se pode contar apenas em presidências. Em Porto, Braga e Setúbal, Manuel Pizarro, António Braga e Fernando José ficaram a uma unha negra de vencer Câmaras que há muito nos são adversas. Em Sintra e Gaia, mesmo com campanhas esplendorosas de Ana Mendes Godinho e João Paulo Correia, o PS não resistiu ao regresso de antigos autarcas amplamente reconhecidos. É preciso sermos justos em admitir a dificuldade da tarefa que enfrentávamos.

Não podemos, porém, fugir de análises desconfortáveis. O PS governou Lisboa 27 dos últimos 36 anos e governa 13 das suas 24 freguesias. A cidade não é especialmente meiga a Presidentes recandidatos, como testemunharam João Soares, Carmona Rodrigues e Fernando Medina. Não se pode também dizer que o mandato tenha corrido especialmente bem a Moedas, que teve mesmo de trocar quase todo o seu executivo. Ainda assim, Moedas e a sua coligação reforçaram a sua votação face ao somatório dos resultados que esses partidos obtiveram em 2021. O inverso se verificou com a coligação Viver Lisboa.

Este cenário diz-nos duas coisas. A primeira é que, ao contrário do que sucedeu com as últimas eleições legislativas, é preciso uma reflexão sem precipitações nem demoras. A segunda é que não vale esmorecer: o PS tem tudo para, em 2029, reconquistar esta autarquia. Só com ambição e sem ilusões é que o PS se poderá afirmar como alternativa à AD.

A vitória da AD e a derrota do CHEGA não alteram significativamente o mapa político face às eleições legislativas de maio. Tal como sucedeu com Cavaco Silva em 1985, Montenegro beneficia ainda do “estado de graça” de quem entrou em funções há 18 meses e foi reeleito há apenas 5. Já André Ventura pode ter tido a sua imagem em cartazes pelo país fora que não engana os eleitores. Os portugueses demonstraram distinguir bem os atos eleitorais. A extrema-direita continua e continuará a ser uma ameaça crescente que conta agora com mais autarcas, mesmo que lhe tenha escapado a conquista de muitas autarquias.

Esse panorama não se alterará por obra e graça do Espírito Santo. Além de reflexão, é preciso estratégia. O tripartidarismo não permite “esperar” que o poder chegue apenas por demérito de quem governa. É certo que a ansiedade é má conselheira. Será preciso tempo para a marca do PS recuperar do desgaste normal da governação, e para a AD acumular a sua quota-parte. Mas, desta vez, isso já não será suficiente. Aplicado o bálsamo da sobrevivência eleitoral, o PS tem de se aprontar nas tarefas fundamentais de ouvir mais e comunicar melhor.

Em concreto, o Partido Socialista tem de pensar no que irá fazer com o espaço político que conquistou este domingo. Já não temos, se alguma vez tivemos, de justificar o nosso lugar à mesa nem precisamos de nos sentar onde não somos desejados ou onde estamos a mais. O facto de Luís Montenegro estar, cada vez mais, a preferir acordos com o CHEGA a sequer negociar com o PS deve ser condenado. É o contrário do que prometeu em campanha e é mau para o país. Mas deve também ser recebido como a oportunidade que é para o PS se diferenciar.

Sem perigar a estabilidade que os portugueses demonstraram prezar, estaremos livres para afirmar quem somos. Sem rasgar vestes, podemos criticar sem tibiezas e assumir o papel natural de líderes da oposição, com maior clareza sobre o que defendemos e a capacidade de liderar e marcar a agenda política e mediática. Dessa forma, vamos projetar para os eleitores algo muito mais importante do que qualquer ajuste no “esquerdómetro” com que tantos andam preocupados - responsabilidade e preparação, mas também força e visão. Um Partido Socialista que não seja mais do mesmo: um partido do futuro e não só do património do passado. Afinal, se o original é preferível à cópia, apenas poderemos almejar ser alternativa se formos mesmo oposição.

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