Sábado – Pense por si

Mariana Moniz
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
02 de agosto de 2024 às 07:00

Mal me quer, bem me quer: o homicídio-suicídio

Algumas vezes, os entes-queridos de quem comete este tipo de atos são perspetivados como uma extensão da identidade destes sujeitos. Como tal, para garantirem a total aniquilação da sua identidade, sentem que têm de pôr fim à vida dessa extensão, isto é, da sua família.

O suicídio é um ato difícil de compreender para muitos de nós. Pôr fim à própria vida é a derradeira manifestação de sofrimento e desolação, um ponto sem retorno, um ato tão extremo que não deixa ninguém indiferente. No entanto, apesar de ter, indubitavelmente, um impacto significativo na sociedade, torna-se mais chocante e perturbante quando é precedido por um homicídio. Assim, poucos atos são tão geradores de incompreensão e indignação como situações de homicídio-suicídio. Notícias de pessoas que põem fim à sua vida após matarem a sua família levam à incompreensão e estupefação da sociedade, que não consegue enquadrar esta conduta ou dar resposta às muitas questões que surgem, sobre o que leva alguém a pôr fim, não só à sua vida, mas à daqueles que deveria amar e proteger.

Por mais incompreensíveis que pareçam estas situações, podem ser encontrados diversos padrões que se sistematizam em diferentes tipos de homicídio-suicídio:

  1. Íntimo-possessivo: o mais comum, tipicamente perpetrado por homens contra os seus cônjuges, onde há um historial de violência doméstica. Nestes casos, fatores precipitantes incluem a infidelidade (real ou imaginada), a possibilidade de separação marital ou a separação, efetiva.
  2. Íntimo-fisicamente vulnerável: também entre um casal, onde um ou ambos membros tem um problema de saúde significativo. A presença de depressão é frequente e o homicídio e subsequente suicídio são perspetivados como um ato de altruísmo ou desespero em relação ao futuro, com relato de incapacidade em lidar com os problemas de saúde, condições financeiras e solidão.
  3. Filicídio-suicídio: até 60% dos homens e 29% das mulheres comete suicídio após matar os filhos. Esta tipologia de homicídio-suicídio é mais perpetrada pelas mulheres e pode ocorrer na presença de psicose (por exemplo, com presença de delírios persecutórios), perceção de altruísmo ou vingança.
  4. Familicídio-suicídio: normalmente perpetrado por membros masculinos, pode ser precipitado por problemas maritais, financeiros ou laborais. Mais uma vez, o crime é perspetivado como um ato de altruísmo, onde a família é "poupada" das dificuldades que estão a atravessar. Por outro lado, pode ser causado pela crença de que o cônjuge está a ser infiel, constituindo o homicídio de todo o núcleo familiar uma forma de vingança. Em situações mais raras, o familicídio pode ser seguido de homicídio em massa, apenas após o qual ocorre o suicídio.
  5. Homicídio-suicídio extrafamiliar: pode envolver sujeitos revoltados com um despedimento, estudantes vítimas de bullying, ou indivíduos solitários. Nestes casos, a culpa dos acontecimentos na sua vida é atribuída aos outros, levando a sentimentos de injustiça e revolta. Estes sujeitos tendem a ter níveis elevados de paranoia e traços egocêntricos.

Teorias mais recentes sugerem que o homicídio-suicídio se assemelha mais ao fenómeno do suicídio do que ao homicídio, estando assim relacionado, primeiramente, à autodestruição, sendo a destruição de terceiros algo secundário. Algumas vezes, os entes-queridos de quem comete este tipo de atos são perspetivados como uma extensão da identidade destes sujeitos. Como tal, para garantirem a total aniquilação da sua identidade, sentem que têm de pôr fim à vida dessa extensão, isto é, da sua família. Certo é que, nesses casos, há uma probabilidade superior de estarmos perante sujeitos com perturbações psicológicas e psiquiátricas, sendo comum a presença de perturbações depressivas e psicóticas.

Vemos, assim, que estes atos tendem a seguir determinados padrões, mesmo que, num primeiro momento, aparentem ser inesperados e incompreensíveis. Sendo inesperados, parecem difíceis de prevenir. No entanto, reconhecendo estes padrões, é possível, até certo ponto, preveni-los através da denúncia às autoridades (nas situações em que tal se justifique, como na presença de violência doméstica) ou da intervenção psicológica precoce aos sujeitos que poderão cometer estes atos. Assim, a presença de historial de violência doméstica, a infidelidade ou separação concretizada ou iminente, o despedimento ou a existência de dificuldades financeiras repentinas, doença crónica de um elemento familiar como elemento de vulnerabilidade e a presença de problemas de saúde mental constituem fatores de risco aos quais os mais próximos deverão estar atentos.

Na impossibilidade de antecipar este tipo de comportamentos, compreensível pela sua natureza aparentemente inesperada, extrema, violenta e chocante, é importante reforçar que os momentos que seguem o homicídio-suicídio são também de extrema importância para a rede social imediata dos envolvidos. Reconhecendo que o suicídio pode ter um efeito de "contágio", é fundamental que os familiares e amigos dos envolvidos sejam adequadamente apoiados pela sua rede de suporte ou, idealmente, por profissionais de saúde mental.

Estes são atos extremos e perturbadores para todos e reforçam a necessidade de apoiarmos os mais próximos de nós, ajudando-os não só a ultrapassar as fases mais difíceis das suas vidas, mas também não hesitando em agir, quando se perceciona o risco para o seu bem-estar e dos outros.

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