Hoje pensemos em poesia. Não aquela que se escreve em palavras pintadas numa folha de papel por entre rabiscos de humanidade. Hoje pensemos na poesia que vive no rolar de uma bola de futebol
Hoje pensemos em poesia. Não aquela que se escreve em palavras pintadas numa folha de papel por entre rabiscos de humanidade. Hoje pensemos na poesia que vive no rolar de uma bola de futebol. Eu sei, eu sei … dirão os mais cépticos que o futebol não é o que já foi um dia, que o dinheiro comanda agora os desígnios do desporto rei e que o romantismo do jogo da bola das tardes de domingo em estádios com bancadas ainda em madeira com milhares de cabeças vestidas de boinas e fartos bigodes a sofrerem pelos heróis de então faz parte do passado a preto e branco numa fotografia qualquer de jornal. Dirão que hoje, o que conta é o patrocínio na camisola, o contracto milionário, os direitos televisivos, a publicidade, as chuteiras de cores foleiras, as marcas associadas, o branding nos estádios, nos campos de treino, nas bancadas, nos jogadores, dirão que hoje é a libra, o euro, o dólar que chuta a bola, que marca o golo, que ganha o jogo, que vence o campeonato. E os cépticos, com o seu pragmatismo demolidor, estão certos em 99% das vezes mas…e há um sempre um "mas" para que tudo valha realmente a pena, resta-nos o 1% dos românticos, os que acreditam, os que fintam a lógica para vencer outro tipo de jogo. Sim, hoje pensemos em poesia, porque o que aconteceu esta semana em Inglaterra pertence ao reino da poesia. Os bravos de Leicester mostraram-nos que o doce sabor do passado, das tardes de domingo com cheiro de relva molhada e cerveja na mão existe ainda nestes dias vestidos de Ultra HD e Dolby Surround e que enquanto a bola girar, e o mundo rodar no sentido certo da vida então tudo pode mesmo acontecer. Até uma equipa de trocos no bolso galgar o destino de muitos milhões, subir ao cume e sair de lá com o título. Sim, eu sei, escrevo isto no calor do momento, na breve exaltação da vitória dos pequenos sobre os grandes, do David a dar baile ao Golias, do conto de fadas com uma bola nos pés, do blablablá da emoção mas…bolas, é isto, é isto que nos escreve um sorriso na cara mesmo que não seja nada connosco, é isto que nos faz cócegas na alma e arrepios na espinha como aquele beijo demolidor que só nós é que sabemos como, quando e onde foi dado, é isto que nos faz pensar que se calhar vale pena guerrear contra os moinhos de vento. E por isso, obrigado Vardy, Mahrez, Drinkwater, Kanté, Huth, Schmeichel, Okazaki, Wes Morgan, Ranieri e todos os outros pilantras que por esta hora devem estar com um ressacão dos infernos e com uma ou outra menina adormecida num quarto de hotel, obrigado por escreverem poemas com uma bola nos pés, se com as mãos já é difícil nem quero imaginar como será escrever enquanto se corre em direcção à imortalidade. Não vos conheço de lado algum, até há poucos meses eram-me perfeitos desconhecidos, mais uns jogadores entre tantos, mas agora, agora somos amigos de casa, companheiros de luta, guerreiros da bola. Agora somos todos um pouco de vocês e isso, meus bravos, chama-se agarrar o destino pelos colarinhos e sentar-se à mesa com os Titãs para o jogo de uma vida. Sabem? Eduardo Galeano, um escritor uruguaio e um grande pensador destas coisas da bola, escreveu um dia que a história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever, mas vocês meus bravos, vocês fintaram o destino e chutaram o dever para fora do relvado e escreveram, escreveram, escreveram páginas de remates, de golos, de defesas, de carrinhos, de dribles bem medidos de amor e de prazer e voltaram a colocar o futebol no lado certo da história, ainda que por breves momentos. E por isso, obrigado meus novos amigos, meus reguilas da bola, meus poetas de Leicester. A partir de hoje vocês são também um pouco de nós.
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