De olhos bem TAPados
Com privatizações de direita ou nacionalizações de esquerda, a TAP tem sido uma licença para roubar. Estamos cercados.
Se não sabiam, ficaram a saber: Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja, que na segunda-feira foram demitidos dos cargos de presidente da Comissão Executiva e do Conselho de Administração da TAP, respetivamente, não sabiam, e ficaram a saber, que o acordo para a saída de Alexandra Reis era ilegal, apesar de ter sido assessorado por duas das mais conceituadas sociedades de advogados da nossa praça – essa praça onde leis, política e negócios se misturam para conveniência de interesses privados bafejados com dinheiro público. Provavelmente também não sabiam, e ficaram a saber, que um dos riscos de ser gestor de uma empresa pública é servir de bode expiatório aos erros da tutela.
Christine Ourmières-Widener, em particular, teve também uma lição sobre gestão política. No que toca a resultados, a TAP está a cumprir, e até a antecipar, as metas definidas no plano de reestruturação. A CEO terá achado que isso lhe dava poder para afastar administradores da empresa com quem se tinha incompatibilizado – e deu, com o acordo do então ministro Pedro Nuno Santos. Mas, logo a seguir, o mesmo Governo lhe puxou o tapete, quando o processo de afastamento da administradora em causa começou a levantar demasiadas questões. A liderança da TAP é afastada pelo Governo por ter cumprido as instruções do Governo.
Convém lembrar que nada disto se teria sequer sabido se não fosse o acaso de Alexandra Reis ter voado alto demais com asas pagas pela TAP e sido nomeada secretária de Estado do Tesouro. Foi o escrutínio a essa nomeação que revelou o negócio da sua saída da companhia aérea e originou as perguntas que agora levaram a este desfecho. Sem isso, tinha ficado tudo limpinho no silêncio dos inocentes: a indemnização ilegal, a "incompatibilidade" entre Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener (por razões que ainda hoje não conhecemos), a dança de cadeiras (da TAP para a NAV), o papel negligente de Pedro Nuno Santos, que foi autorizando tudo sem sequer informar o Ministério das Finanças. No fim, a "justa causa" da bandalheira, da informalidade e da ligeireza na gestão de uma empresa em que os contribuintes enterraram 3200 milhões de euros fica-se pelos gestores da companhia. Em política, os sacrifícios fazem-se de baixo para cima. Se não sabiam, ficaram a saber.
O Governo anunciou as demissões e apresentou o novo presidente da TAP como quem quer pôr uma pedra sobre o assunto. Só que isto dificilmente ficará por aqui. Os dois gestores despedidos irão provavelmente contestar o despedimento na justiça, revelando o papel e as responsabilidades do Governo em todo este caso. E temos uma comissão de inquérito a arrancar, centrada na gestão da TAP nacionalizada, mas que deverá recuar também à privatização feita por aquele Governo PSD/CDS que durou menos de um mês, entre as eleições de 2015 e a posse da Geringonça. É importante que a comissão de inquérito recue a 2015. Para revelar como a TAP tem sido uma ferramenta para negociatas de favor há muitos anos, com prejuízos acumulados que acabam invariavelmente pagos pelo contribuinte. E como, neste desastre aéreo, todos os partidos ralham e ninguém tem razão.
Foi assim na privatização, em 2015, com um negócio – aparentemente aprovado pelo Governo PSD/CDS, numa informalidade comparável às de Pedro Nuno Santos – para entregar a empresa nas mãos de David Neeleman na já célebre venda paga "com o pelo do cão", em que o acionista privado "capitalizou" a empresa com uma troca de aviões que terá lesado a TAP em 444 milhões de euros e que já está sob investigação do Ministério Público. Logo a seguir, com a posse do primeiro Governo de António Costa, o Estado recuperou a maioria do capital, um pretexto para dar dois milhões de euros a David Neeleman e assumir responsabilidades brutais na capitalização da empresa, ao mesmo tempo que perdeu direitos económicos, numa desproteção do mais elementar interesse público atestada pelo Tribunal de Contas. Pagando mais, ficou a mandar menos e assumiu a recapitalização da empresa. Pior era difícil.
Mas, não contente com isso, em 2020, em plena pandemia, o Governo entregou a David Neeleman mais 55 milhões de euros por uma empresa então completamente exaurida, com o valor algures próximo do zero, para ganhar o privilégio de lá meter mais 3200 milhões num processo de reestruturação pago pelo erário público. Onde depois se deram e tiraram empregos, com indemnizações milionárias ilegais atestadas por bons advogados e pagas por maus governantes, do bolso dos contribuintes cujos olhos se mantiveram tapados ao regabofe. Com os neoliberais da direita ou os soberanistas das esquerdas, a TAP tem sido um porquinho mealheiro do regime, onde se distribuem favores a acionistas privados, empregos a amigos de confiança e prejuízos aos cidadãos. Uma licença para roubar, que espelha um consenso de regime pela rapina e a venda em saldo do interesse público. Um pesadelo sem fim.
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