Sábado – Pense por si

Carlos Neto
Carlos Neto Professor Catedrático (Aposentado e Jubilado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa - FMH-UL)
08 de março de 2024 às 19:12

Reverter a pobreza dos Espaços Exteriores das Escolas (recreio) para fazerem parte do projeto educativo no desenvolvimento e aprendizagem das crianças

Assiste-se hoje a uma cultura de proibição confrangedora nos tempos destinados no intervalo escolar em ser ativo e a brincar livremente sem constrangimentos.

Nas memórias de uma grande parte dos adultos, as perceções do espaço físico, experiências e vivências em brincadeiras e aventuras nos espaços exteriores da escola, são recordações que ficaram marcadas com grande significado para o resto das suas vidas. É nesses espaços, que uma grande parte de acontecimentos significativos no seu percurso escolar, tiveram influência na sua formação motora, emocional, cognitiva e social, através da resolução de conflitos, aprendizagens não formais, criação de novas amizades, e atividades com narrativas poderosas de natureza simbólica. No entanto, verifica-se no momento, uma decadência desoladora quanto à qualidade desses espaços  (principalmente em escolas do ensino pré-escolar e 1º ciclo de escolaridade), tendo ficado completamente cimentados e plastificados (sintético), diminuindo a possibilidade de exploração diversiva, livre, e em contato com o espaço natural. Cortaram-se as árvores, eliminou-se a areia, a terra, fluxos de água, pedras, paus, vegetação, etc., apenas por um motivo: medo de acidentes e controlo das formas de brincar das crianças. Assiste-se hoje a uma cultura de proibição confrangedora nos tempos destinados no intervalo escolar em ser ativo e a brincar livremente sem constrangimentos. Temos verdadeiras obras de arquitetura escolar em muitas escolas do nosso território educativo, mas as crianças ficaram mais penalizadas em oportunidades de qualidade de tempo e espaço para se divertirem e fazerem aprendizagens informais ou organizadas fundamentais no seu desenvolvimento. Existem muitas escolas que colocaram equipamentos certificados (encomendados por catálogo) de tipologia tradicional (baloiços, escorregas, equipamentos integrados) e sujeitos a normas de segurança (velhos parques infantis) com superfícies de impacto em material sintético e vedados como nos espaços públicos de jogo e recreio. Esta cultura patológica do controlo e segurança das crianças nos espaços exteriores das escolas completamente asséticos e desinteressantes, interessa aos adultos, mas não às crianças. Não existe sedução, curiosidade, entusiasmo, sentido de aventura e condições de um contexto para a aprendizagem, devido à pobreza de estimulação de um ambiente promotor do risco, do confronto com a natureza e realização de atividades de exploração, pesquisa e coleta de dados para a realização de estudos de natureza pedagógica. Neste sentido, os espaços escolares exteriores, são terra de ninguém, e as preocupações residem na maior parte dos casos em construir telheiros para as crianças não apanharem chuva e mais recentemente, depois da pandemia os telheiros à porta da escola para proteger os pais. Esta dicotomia entre espaço interior (sala de aula) e espaço exterior (recreio) necessita de uma reflexão mais aprofundada no funcionamento do processo educativo. Na escola não se aprende apenas na sala se aula, mas em todo o espaço da escola. Quais os fundamentos científicos (teorias e estudos) sobre o intervalo escolar? Intervalos concentrados ou dispersos? Qual o critério de tempo atribuído ao espaço de recreio escolar (recess) e como são construídos os horários escolares? O tempo passado na escola está organizado em função das necessidades de aprendizagem e tempo livre das crianças ou dos docentes? Qual o projeto educativo existente para os espaços exteriores na promoção de aprendizagens fundamentais para as crianças? Qual o design dos espaços exteriores das escolas mais adequado para a satisfação, aquisição de competências e saberes, para além do divertimento e brincar livre das crianças? A escola não é uma "fábrica" em que se divide o tempo entre trabalho (sala de aula) e lazer (recreio). A escola deveria ser um local em que todos os espaços existentes deveriam ter a mesma importância e significado para a implementação de projetos educativos integrados, partilhados, cooperativos em função de objetivos de aprendizagem participada de todos os seus intervenientes. A escola ainda vive uma dimensão cartesiana na sua conceção e funcionamento: o cérebro na sala de aula e o corpo prisioneiro no recreio ou à porta da escola.

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