Sábado – Pense por si

Carlos Neto
Carlos Neto Professor Catedrático (Aposentado e Jubilado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa - FMH-UL)
04 de março de 2024 às 14:05

Analfabetismo Motor Infantojuvenil: corpos ativos esquecidos em toda a parte

As crianças não sabem correr, tropeçam nos seus próprios pés, batem com a cabeça uns nos outros, não sabem atar os sapatos e vestir os casacos, têm dificuldades em aprendizagens escolares básicas, como escrever, desenhar, pintar, medo de subir às árvores.

Todas as crianças consideradas saudáveis, manifestam uma grande necessidade biológica de expandir energia física através do seu corpo em movimento em diversos contextos de vida (espaço familiar, espaço escolar e espaço público).  Não com o objetivo de ter saúde, mas pela busca de prazer, divertimento, entusiasmo, superação, adaptação motora, socialização e conexão com narrativas simbólicas poderosas. Correr e mexer o corpo é um movimento básico para alcançar distância e autonomia de sobrevivência. Associa-se a outras formas de ação motora mais complexas que permitem combinar perícias corporais de natureza postural (alinhamento da coluna vertebral), locomotora (movimentos de transporte do corpo), manipulação (agarrar e lançar objetos) de expressão (linguagens não verbais) e de relação (comunicação com os outros), num processo de aquisição progressiva de literacia motora. Nas últimas décadas, observa-se uma assinalável decadência destas competências motoras na vida quotidiana em crianças e jovens, devido a um aumento de grandes constrangimentos (urbanização, excesso de trânsito automóvel, excesso de proteção adulta, falta de autonomia de mobilidade, contacto com o risco e com a natureza, dependência de écrans, etc.), resultantes da interação de múltiplos fatores (biológicos, sociais e culturais). Na maior parte dos casos, as crianças não sabem correr, tropeçam nos seus próprios pés, batem com a cabeça uns nos outros, não sabem atar os sapatos e vestir os casacos, têm dificuldades em aprendizagens escolares básicas, como escrever, desenhar, pintar, medo de subir às árvores,etc..Esta iliteracia motora infantojuvenil, terá imensas consequências na sua saúde física (excesso de peso, obesidade, diabetes, doenças crónicas cardíacas e respiratórias) e mental (ansiedade, depressão, hiperatividade e deficit de atenção, stress e sentimentos de suicídio na passagem da adolescência para a vida adulta). É necessária uma visão de desenvolvimento sustentável no âmbito das "culturas de infância", no sentido de assegurar um combate ao progressivo "analfabetismo motor" e promover experiências de jogo e movimento, atividade física e desporto, a fim de assegurar "estilos de vida saudáveis ao longo da vida". Está também em causa uma diminuição trágica de estimulação lúdica e motora em situações informais nas culturas de infância nos nossos dias. A inatividade física e a falta de contacto com amigos e relação com a natureza, aumentaram significativamente, colocando em perigo a estruturação do jogo e da motricidade infantil (coordenação motora, capacidade percetiva/decisional e de resistência ao esforço) exigíveis num mundo moderno cheio de novos desafios e incerteza. Importa criar contextos de participação das crianças de acordo com as suas motivações e necessidades próprias desta etapa da evolução humana.

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