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Milhares de crianças ucranianas em campos de "reeducação" russos

Débora Calheiros Lourenço 15 de fevereiro de 2023 às 11:18

Investigadores da Universidade de Yale publicaram um relatório onde expõem a existência de 43 campos que pretendem transmitir uma "educação patriótica e militar pró-Rússia" às crianças ucranianas.

Pelo menos seis mil crianças frequentaram campos de reeducação ao longo de 2022, revela um novorelatóriopublicado pelo Laboratório de Investigação Humanitária da Universidade de Saúde Pública de Yale, nos Estados Unidos.

REUTERS/Clodagh Kilcoyne

As autoridades russas também alteraram o processo de adoção e acolhimento das crianças ucranianas, o que os autores do relatório consideram que pode constituir um crime de guerra.

Desde o início da guerra, a 24 de fevereiro do ano passado, crianças a partir dos quatro meses foram levadas para 43 campos russos em diferentes localizações, incluindo na Crimeia e na Sibéria, com o objetivo de receberem uma "educação patriótica e militar pró-Rússia", revela o relatório.

Em pelo menos dois dos campos analisados, o regresso das crianças para junto das famílias foi adiado durante semanas e em outros dois campos o regresso encontra-se adiado indefinidamente.

Através da "reeducação", as autoridades russas pretendem fornecer um ponto de vista pró-Moscovo às crianças. Este processo incluiu uma alteração aos currículos escolares a que tinham acesso na Ucrânia, viagens a locais de alta importância para a Rússia ou para a antiga URSS e palestras com veteranos de guerra.

Além disso, o relatório refere que as crianças estão a ser treinadas para saberem utilizar armas de fogo, apesar de Nathaniel Raymond, um investigador de Yale, considerar que até ao momento não existem provas de que estas crianças estão a ser enviadas para a frente de batalha na Ucrânia.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos emitiu um comunicado em que considera que as "provas crescentes das ações da Rússia expõem os objetivos do Kremlin de negar e suprimir a identidade, história e cultura da Ucrânia", e considera ainda que "os impactos devastadores da guerra de Putin sobre as crianças da Ucrânia vão ser sentidos por gerações".

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, partilhou numa conferência de imprensa que "em muitos casos a Rússia pretendia evacuar temporariamente as crianças da Ucrânia através de um disfarce de um acampamento de verão gratuito, apenas para depois se recusar a devolver as crianças e cortar todo o contacto com as suas famílias".

Existem também casos de crianças que são enviadas "com o consentimento dos seus pais, por um período de dias ou semanas acordado com as autoridades russas, e devolvidos conforme o programado originalmente".

Os investigadores envolvidos neste estudo falaram com pais e crianças que frequentaram ou foram mantidas nestes campos. Um dos pais referiu que ligou para o diretor do campo para onde tinha enviado o seu filho e que este o informou que "as crianças não poderiam ser devolvidas porque ‘existe ai uma guerra’", outros foram informados que os seus filhos só poderiam ser libertados se os fossem buscar pessoalmente.

Sobre as informações transmitidas às crianças para justificar as demoras, uma referiu que um funcionário do campo de Medvezhonok lhe explicou que o seu regresso era condicional e só ocorreria se a Rússia conseguisse conquistar a cidade de Izium, enquanto outra foi informada que não poderia regressar devido às suas "opiniões pró-Ucrânia".

Nathaniel Raymond considera que este relatório expõe uma "clara violação" da Quarta Convenção de Genebra sobre a proteção de civis durante períodos de guerra e que o mesmo deve ser visto como um "gigantesco alerta", uma vez que "em alguns casos estas situações podem constituir crimes de guerra contra a Humanidade".

O relatório avança ainda que vários dos membros do governo próximos de Putin estão diretamente envolvidos nestas operações, especialmente Maria Lvova-Belova, a comissária presidencial para os direitos das crianças. A própria foi citada afirmando que 350 crianças já foram adotadas por famílias russas e que existem outras mil a aguardar o processo de adoção.

Os investigadores da Universidade de Yale pediram no relatório que um órgão neutro tenha acesso aos campos e que a Rússia interrompa imediatamente os processos de adoção de crianças ucranianas.

O relatório sobre o Sistema Russo para a Reeducação e Adoças de Crianças Ucranianas foi financiado pelo Departamento de Estado dos EUA.

Também recentemente, o governo ucraniano afirmou que mais de 14.700 crianças foram deportadas para a Rússia, onde algumas terão sido exploradas sexualmente.

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