Sinead O'Connor foi a cantora capaz de parar várias vezes o mundo com a arte do espanto. Num livro de memórias disse nunca ter tido qualquer ambição de fama mas alcançou-a depois de gravar uma versão da música Nothing Compares 2 U, originalmente escrita por Prince, em 1990. Chegou ao topo dos Billboard Music Awards e alcançou mais de 400 milhões de visualizações no YouTube, mas sempre se recusou a ser uma cantora POP. Sinead O'Connor dizia-se "uma cantora de protesto".
Ao longo dos anos deixou milhares de bocas abertas através da sua música, da sua história, da sua vida. Chocou os mais conservadores, deu alento aos mais disruptivos, foi a voz incontornável de várias gerações. Sempre maior que ela própria deu tom à fragilidade e à rebeldia em simultâneo. De cabeça rapada, vestida de forma "diferente", desafiou o conceito de moda e mudou a imagem das mulheres na década de 90.
Nunca se calou e, mesmo fora dos palcos, disse aquilo que sentia sem temor. Falou de religião, sexo, feminismo e guerra. Rasgou uma fotografia do Papa João Paulo II em plena televisão durante o famoso programa "Saturday Night Live". Assumiu a homossexualidade e apontou condenou os abusos na igreja numa altura em que poucos o faziam.
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Mas foi também "produto da violação da minha mãe pelo meu pai". Em 2017 a interprete usou a rede social Facebook para fazer várias revelações sobre a sua vida, numa delas acusava o progenitor de ser um "agressor sexual e um violador". Escrevia que estava cansada de que o mundo protegesse os agressores e demonizasse as vítimas e contava que, com apenas quatro anos, tinha pedido que o pai fosse preso.
Tempo depois afirmava: "o que mais amo na minha mãe é que ela está morta". Numa entrevista ao apresentador norte-americano Dr. Phill assumia-se "farta de ser definida como uma pessoa louca, como a sobrevivente de abusos infantis". Acusava a mãe de ter "prazer" em magoá-la e de usar "uma câmara de tortura" para tal.
No mesmo ano apontava o dedo ao filho mais velho. Tinha-a agredido, com a ajuda da namorada, no alpendre da sua casa. "Tudo porque defendi o meu filho de 13 anos". "Finalmente mostraste aquilo de que és feito. Bateste na tua mãe e agora tenho um tornozelo partido. Bom trabalho", escreveu nas redes sociais.
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Teve ajuda médica e recebeu tratamento para "lidar com os traumas". Tentou suicidar-se várias vezes. Num desses episódios, aos 48 anos, tomou "drogas e medicamentos" para terminar com a vida mas foi salva.
"Não há outra forma de ser respeitada. Não estou em casa, estou num hotel algures na Irlanda, com um nome falso. Se não escrevesse isto publicamente, os meus filhos e a minha família nem saberiam de mim. Podia estar morta há semanas sem que ninguém soubesse", escreveu minutos antes de ser encontrada pela polícia.
Casou-se quatro vezes, teve quatro filhos (três rapazes e uma rapariga) e foi avó. Em janeiro de 2022 enterrou um dos descendentes, Shane, de apenas 17 anos.
Nasceu Sinéad Marie Bernadette O'Connor mas, em 2017, revelava ter alterado o seu nome para Magda Davitt. Em 2018 converteu-se ao islamismo e passou a ser Shuhada Sadaqat.
Prometeu deixar os palcos várias vezes mas nunca o conseguiu cumprir. Esta quarta-feiramorreu aos 56 anos.