Finnegans Wake, o último livro do escritor irlandês James Joyce, demorou 17 anos a ser escrito. Ao longo de mais de 600 páginas, são misturadas palavras de mais de 60 línguas - ou inventadas - de forma quase indecifrável, que deixam os seus leitores e até académicos confusos. Porém, um clube de leitura sediado em Venice, no estado norte-americano da Califórnia, atirou-se ao desafio: ao fim de 28 anos, chegou à última página. E nesse momento, voltou à primeira, para retomar a leitura.
De acordo com o jornalThe New York Times, alguns académicos acreditam que o objetivo da última linha é que se retome a leitura, numloopinfinito. "Não acabámos, é uma experiência em curso", afirmou Gerry Fialka, 70 anos, que começou o clube de leitura em 1995, ao mesmo jornal.
Uma vez por mês, os participantes no clube reuniram para ler e discutir cerca de duas páginas da obra. No livro, podem ser lidas palavras como "bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthur". A obra do também autor deUlisses(1920) foi lançada em 1939 e parece contar muitas histórias em simultâneo.
"[Joyce] Não pode ter contado que muitos leitores, ou algum leitor, o percebesse [a Finnegans Wake]", reconhece Samuel Slote, especialista em literatura da Trinity College Dublin, aoThe New York Times.
Ao longo dos 28 anos, houve pessoas dos 12 aos 92 anos, e algumas morreram e outras estiveram fora durante longos períodos de tempo. A partir da pandemia as reuniões do clube de leitura passaram de ocorrer na biblioteca pública de Los Angeles a acontecer via Zoom, permitindo a pessoas longe da Califórnia participar.
Na última leitura, juntaram-se mais de 12 pessoas. Gerry Fialka pediu a todos que "inspirassem conscientemente juntos" antes de avançar: cada participante leu duas linhas, e no fim, viraram para a primeira página de todas. "Não quero mentir. Não foi como se tivesse visto Deus", assumiu Fialka ao jornalThe Guardian. "Não foi nada de mais."
Um membro do clube de leitura questionou-o se não devia ser mudado o formato para a próxima leitura não demorar 28 anos. Mas o objetivo não é acabar o livro. "As pessoas pensam estar a ler um livro, mas não estão. Estão a respirar e a viver juntos como seres humanos numa sala; a olhar para matéria impressa, e a refletir sobre o que essa matéria impressa nos faz." Por isso, garante ainda Gerry Fialka, este clube de leitura nunca lerá outro livro.