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Os novos clássicos da Bica do Sapato

O restaurante que em 1999 agitou a cena gastronómica de Lisboa pela sua contemporaneidade e pendor cosmopolita é agora um clássico. A prová-lo, estão os pratos que a nova dupla de chefs acrescentou à sua primeira carta estreada em outubro. Às novidades de então juntam-se agora as versões de Henrique Mouro e Pedro Rezende Pereira de pratos históricos da casa, para gáudio dos saudosistas

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Os novos clássicos da Bica do Sapato
Markus Almeida 01 de fevereiro de 2019 às 19:00

Quanto tempo tem de passar para que o contemporâneo se torne clássico? Se pensarmos na Bica do Sapato, o restaurante que Fernando Fernandes e José Miranda (a dupla do Pap'Açorda) abriram em 1999 no Cais da Pedra, em Santa Apolónia, em sociedade com Manuel Reis (Lux-Frágil) e John Malkovich (que dispensa parênteses), poder-se-á afirmar que 20 anos chegam para alcançar esse título.

Também chegam - e sobram - para um cozinheiro que esteve na inauguração da Bica do Sapato com 23 anos voltar, aos 43, com estatuto dechef, como é o caso de Henrique Mouro, apresentado em outubro com Pedro Rezende Pereiro - os dois como novoschefsdo restaurante.

"É pouco habitual mas acontece", diz Pedro sobre a liderança bicéfala da cozinha. Henrique Mouro tinha acabado de sair do Areias do Seixo quando recebeu o convite de Fernando Fernandes. "Como tinha carinho pelo projeto aceitei e desafiei o Pedro, que tinha trabalhado comigo."

A dupla começou em setembro e a mudança foi total: a equipa de cozinha é completamente nova, tal como a carta apresentada à imprensa em outubro, com uma exceção: "O desafio que nos foi proposto foi podermos mudar tudo menos o bacalhau fresco sobre à Brás com emulsão de azeitona preta", revela.

O prato, criação de Fausto Airoldi, que chefiou a cozinha entre 2001 e 2006, é um ícone do Bica do Sapato e um lembrete de que por aquela casa passaram nomes de referência da gastronomia portuguesa, como Alexandre Silva e João Rodrigues (hoje com estrela Michelin no Loco e no Feitoria), Bertílio Gomes e Joaquim Figueiredo, o primeirochefda Bica do Sapato cuja equipa de cozinha na altura incluía Henrique Mouro. "Entrei três semanas antes e fiquei um ano e meio. Não foi o meu primeiro trabalho mas quase... Eu era novo. Foi muito bom. Quando a Bica do Sapato abriu não havia nada assim, era uma casa cosmopolita completamente inovadora", diz Henrique.

"Foi um sucesso ainda antes de abrir", recorda Fernando Fernandes. "Vínhamos de um projeto conhecido como era o Pap'Açorda, com uma cozinha clássica, e saltámos para um estilo completamente contemporâneo. Fomos nós que começamos a dar atenção aochefs", aponta.

Com a morte dos sócios José Miranda em 2016 e Manuel Reis em 2018, é Fernando Fernandes que agora gere tudo. Então e John Malkovich? "É um sócio ausente. Pode vir passar uma temporada na primavera ou no verão, mas hoje é raro, não tem tempo."

A primeira carta de Henrique Mouro e Pedro Rezende Pereira entrou em outubro e foi criada a pensar em consensos. "Em termos conceptuais queremos mais, mas este é o momento de sentir a casa, o tipo de cliente e tentar encontrar um fio condutor, uma linha ou lógica que possa ser reconhecida como a da Bica do Sapato."

Um caldo-verde bege (€8,50) com couve frita, broa de milho, carapau frito e creme de batata como base (daí a cor) serve de entrada e também de carta de apresentação das novidades. O olhar estranha mas o palato não. É cozinha portuguesa tradicional na sua essência mas com toques de autor e alguma criatividade visual.

A reação dos clientes da casa às novas propostas tem sido positiva, mas houve quem manifestasse saudade de alguns pratos que desapareceram. "Apesar de gostarem de novidades, por norma as pessoas não querem mudanças nos sítios aonde vão. É natural", diz Fernando Fernandes.

Assim, em meados de janeiro foi acrescentada uma nova secção, a dos clássicos da Bica do Sapato que é, na verdade, um desfile de clássicos da gastronomia portuguesa - há ainda peixinhos da horta, queijo de cabra gratinado e pá de cordeiro de leite com arroz de enchidos que leva farinheira, morcela, chouriço, paio e cachaço (€19,50).

"Estamos num processo de transição. O Fernando foi, desde os tempos do Pap'Açorda, alguém que procurou essa ligação às coisas tradicionais", comenta Henrique. "Vamos procurar o meio termo entre a tradição e o cosmopolita. É difícil mas vamos chegar lá."

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