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Festival d'Avignon começa sábado e terá Marlene Monteiro Freitas e Tiago Rodrigues

"Nôt", da coreógrafa Marlene Monteiro Freitas e "La distance", nova peça do diretor artístico do festival, Tiago Rodrigues, são duas das muitas propostas de Avignon este ano.

Lusa 03 de julho de 2025 às 11:30
La Distance Tiago Rodrigues Cristophe Raynaud de Lage

Mais de quarenta espetáculos de teatro, dança, ópera e multidisciplinares fazem a 79.ª edição do Festival d'Avignon, a decorrer de 5 a 26 de julho, que abre com Marlene Monteiro Freitas e estreia uma nova obra de Tiago Rodrigues.

De acordo com o programa do festival francês, a coreógrafa Marlene Monteiro Freitas, como artista cúmplice desta edição, inaugura a programação com Nôt, no Pátio de Honra do Palácio dos Papas, espectáculo que ficará em cena até dia 11.

Inspirado em as Mil e Uma Noites, obra-prima da literatura árabe, língua convidada desta edição, Nôt traduz o ato de sobrevivência que a obra representa.

"Enraizados na tradição oral, estes contos conservam a energia de histórias que circulam constantemente e são sempre reinventadas. A coreógrafa cabo-verdiana traduz este fluxo de palavras -- entrelaçadas, contraditórias, incessantes -- em movimento, transformando o palco num espaço onde o vício e a virtude, o grande e o pequeno, o desejo e a sua sombra se entrechocam. [...] Nôt acrescenta mais uma noite ao infinito", lê-se na apresentação da obra.

O ator, encenador e dramaturgo português Tiago Rodrigues, diretor artístico do festival, por seu lado, estreará a sua nova peça, La distance, um dos momentos mais esperados do certame. A obra terá 17 representações, nos dias 7 a 26, no L'Autre Scène du Grand Avignon.

A ação de La distance passa-se em 2077, quando "a humanidade luta para sobreviver, atormentada pela precariedade económica e pelas consequências das mudanças climáticas", com "parte da população exilada em Marte". De regresso à Terra, segundo a sinopse, e mantendo as preocupações universais, "um pai esforça-se para manter um relacionamento com a sua filha que foi para o Planeta Vermelho."

O espetáculo decorre num "cenário distópico, mas não improvável", no qual Tiago Rodrigues "explora as consequências das nossas escolhas, assim como a possibilidade de comunicação entre gerações."

O dramaturgo e encenador "coloca dois mundos frente a frente e imagina o seu diálogo em órbita como uma série de ligações interurbanas."

A interpretação vai ser dos atores Adama Diop e Alison Dechamps, "num dispositivo interplanetário em rotação, como dois astros apanhados no seu percurso que se aproximam e se afastam."

La distance, peça falada em francês e legendada em português, produzida com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian Paris, iniciará em Avignon uma digressão internacional por estruturas coprodutoras da obra, que incluem o festival checo Divadlo e o teatro Plovdiv da Bulgária, o Théâtre Vidy-Lausanne, o Centro Dramático de Madrid e o Teatro Lliure de Barcelona, o Onassis Stegi de Atenas, o Piccolo Teatro de Milão, além de uma dezena de palcos franceses e a portuguesa Culturgest.

Na programação de Avignon, destaca-se ainda Le procès Pelicot, uma coprodução dos festivais de Viena e de Avignon, dirigida por Milo Rau, de homenagem a Gisèle Pelicot, que durante anos foi drogada, violada e transacionada pelo ex-marido, Dominique Pelicot, condenado à pena máxima em dezembro passado, num processo que também sentenciou outros 50 homens.

O espetáculo cumpre a declaração de Gisèle: "A vergonha tem de mudar de lado". "Com estas palavras e com a sua decisão de tornar público o julgamento, Gisèle Pelicot tornou-se um símbolo da luta contra a violência sobre as mulheres", descreve a sinopse de Le procès Pelicot.

"O caso de violação de Mazan mostra como, nesta pequena cidade do sul de França, homens comuns de todas as idades e classes sociais foram capazes de cometer um crime desumano: a violação repetida de uma mulher inconsciente."

Le procès Pelicot, em cena no dia 18, apresenta "leituras de interrogatórios, súplicas e comentários sobre o caso histórico", numa investigação feita junto de "advogados da família Pelicot, do tribunal, de especialistas em psicologia, taquígrafos, testemunhas e associações feministas, para relatar o julgamento de um sistema: o patriarcado."

Le procès Pelicot, que já pôs o público austríaco em choque numa antestreia em Viena, em maio, será apresentado dia 18, no Cloître des Carmes, em Avignon.

Outra encenação de Milo Rau, nome também recorrente no Festival de Almada, La lettre, também estará em cena de 8 a 26 de julho. A peça parte de histórias familiares de jovens artistas para explorar os acontecimentos que mudam o curso de uma vida e que, segundo o programa, "é um manifesto do que pode ser o teatro popular hoje."

A área da dança acolhe a produção portuguesa Coin Operated, da dupla Jonas & Lander, produzida pela Sinistra Associação Cultural, com a BoCA -- Biennial of Contemporary Arts. Será apresentada nos dias 8 a 12 de julho.

Na dança, destaca-se em particular a produção franco-belga Brel, em que os coreógrafos Anne Teresa De Keersmaeker e Solal Mariotte se socorrem das canções de Jacques Brel, "num duo intenso, inspirado pela poesia, os gestos e a expressividade do artista belga." Estará em cena de 6 a 20 de julho.

Abrangendo dança, música, canto e teatro, a ópera Les incrédules, pelo encenador francês Samuel Achache, será apresentada nos dias 22 a 25, na Grande Ópera d´Avignon.

Les incrédules, em que o encenador combina atores, cantores e uma orquestra de 52 elementos, é um espetáculo "onde o improvável se cruza com o trágico", segundo a sua apresentação. Achache apresentou no ano passado, no Festival de Almada, a peça Sans tambour, com o Théâtre des Bouffes du Nord & La Souder.

A cantora Mayra Andrade levará o concerto "reEncanto" ao Pátio de Honra do Palácio dos Papas, no dia 12, e o DJ e produtor Branko (João Barbosa) responderá pelo concerto de encerramento do festival, no dia 26, em La FabricA.

Ao todo, Avignon inclui este ano 300 apresentações de 42 produções, das quais 32 são estreias. A programação é "rigorosamente equilibrada em termos de género", como afirmou o diretor artístico, Tiago Rodrigues, no anúncio da programação, no início de abril.

O encenador alemão Thomas Ostermeier, que estará no Festival de Almada com History of Violence, de Édouard Louis, e com O Pato Selvagem, de Ibsen, em Avignon; o suíço Christoph Marthaler com Le Sommet, a sua nova obra; O Sapato de Cetim, de Paul Claudel, na leitura do diretor da Comédie-Française, Eric Rufe; e a revisitação da "dramaturgia radical" do Théâtre du Radeau, de François Tanguy (1958-2022), são outras propostas da programação de Avignon.

Quando do anúncio do festival deste ano, Tiago Rodrigues sublinhou que "mais de metade dos artistas [58%] participam pela primeira vez" no festival, dando como exemplo a coreógrafa dinamarquesa Mette Ingvartsen, com Delirious Night, e o artista multidisciplinar albanês Mario Banushi, com Mami.

Na sexta-feira, dia 4, Avignon fará uma pré-apresentação de Nôt, de Marlene Monteiro Freitas, e de They Always Come Back, da coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen, para residentes locais, organizações educativas, sociais e médico-sociais.

Língua árabe convidada para contrariar o ódio

A celebração da língua árabe, convidada da 79.ª edição do Festival d'Avignon, vai contar com produções oriundas de Palestina, Marrocos, Líbano, Tunísia, Síria, Egito e Iraque.

"Língua de luz, diálogo, conhecimento e transmissão, o árabe é frequentemente --- num contexto cada vez mais polarizado --- sequestrado pelos mercadores da violência e do ódio, que o associam a ideias de isolamento, retiro e fundamentalismo", disse o diretor artístico do Festival d'Avignon, Tiago Rodrigues, quando da apresentação desta edição, no início de abril.

"Convidar [a língua árabe] é confrontar a complexidade política de frente, em vez de a evitar, e acreditar no poder das artes para criar espaços de diálogo e de comunidade", acrescentou então Tiago Rodrigues, recordando que também é uma forma de celebrar a "quinta língua mais falada no mundo e a segunda em França."

A programação dedicada à língua árabe compreende 12 produções de teatro, dança, música e multidisciplinares, com dezenas de representações, a par de debates, encontros e de exibições de cinema, com o objetivo de demonstrar a riqueza da língua e da cultura árabes.

A coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen, com a performance participativa They always come back, abre esta programação no próximo sábado, dia em que também sobe a cena o espectáculo multidisciplinar When I saw the sea, que combina dança, música e teatro, do libanês Ali Chahrour, uma denúncia de modernas escravaturas.

Na última semana do festival, estará em cartaz Yes Daddy, produção oriunda da Palestina, com texto e encenação de Bashar Murkus e dramaturgia e produção de Khulood Basel, que "disseca um sentimento de extrema solidão", a partir da história de um velho homem, em perda de memória, e de uma jovem acompanhante.

Ao longo das três semanas do festival, Avignon acolherá outras produções de origem árabe, como Chapitre quatre, do dramaturgo sírio Wael Kadour, que parte de uma tentativa falhada de adaptar Um Inimigo do Povo, de Ibsen, para questionar condições criativas dos artistas no exílio; e o espectáculo Laaroussa Quartet, da dupla tunisina Selma e Sofiane Ouissi, coreografia documental sobre o 'saber-fazer' das mulheres ceramistas de Sejnane, na Tunísia, como ato de resistência.

Taira, da franco-iraquiana Tamara Al Saadi, centra-se em duas jovens: uma delas órfã, constantemente transferida entre famílias e lares; outra, como Antígona, desafia o poder para enterrar o corpo do seu irmão. "Ambas são 'filhas de ninguém' em colisão com um sistema que aparentemente tenta esmagá-las."

Magec/the Desert, do coreógrafo marroquino Radouan Mriziga, "explora o conhecimento do deserto, tecendo ritmos, gestos e histórias para questionar a relação com o tempo, a natureza e as culturas que o habitam", centrando-se "em particular na cultura berbere" e na revisitação de mitos e ecossistemas do Norte de África.

Uma homenagem musical à diva egípcia Oum Kalthoum, que morreu há 50 anos, será dirigida pelo músico libanês Zeid Hamdan. O espetáculo contará com a cantora francesa Camélia Jordana, o cantor franco-argelino Souad Massi e o 'rapper' Danyl, entre outros músicos.

Na área da música, conta-se ainda o espectáculo Nour, em colaboração com o Instituto do Mundo Árabe, em Paris, com mais de duas dezenas de artistas, como Rima Abdul-Malak, Walid Ben Selim, Rodolphe Burger, Abo Gabi, Naïssam Jalal e Emel Mathlouthi.

No âmbito do cinema, a secção Territórios apresentará produções como "200 metres", do palestiniano Ameen Nayfef, centrado num casal separado pelo muro construído por Israel, Capernaum, da libanesa Nadine Labaki, sobre um rapaz de 12 anos, condenado por um crime violento, e a "Maratona Afegã" de filmes sobre exílio, identidade e resistência, propostos pela artista Kubra Khademi e a jornalista Caroline Gillet.

La vie après Daesh, documentário palestiniano dirigido por Xavier de Lausanne, centra-se na engenheira síria de origem curda Leila Mustapha, de 30 anos, autarca de Raqqa, que assumiu a reconstrução da sua cidade, anteriormente ocupada pelo Daesh, com o objetivo de reconciliar os seus habitantes e afirmar a democracia.

Serão ainda realizadas palestras, debates e "cafés de ideias", com oradores como a escritora franco-marroquina Leïla Slimani, autora de Levarei o fogo comigo, Canção doce e O país dos outros, o jornalista franco-libanês Nabil Wakim, do Le Monde, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, e o escritor palestiniano Elias Sanbar, historiador e diplomata, ex-professor das universidades Paris VII e de Princeton, embaixador da Palestina na UNESCO, que no ano passado participou no Leffest - Lisboa Film Festival.

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