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Entrevista

Ana Isabel Trigo Morais: "Os portugueses sabem reciclar, mas precisam de melhor serviço"

Ana Isabel Trigo Morais: 'Os portugueses sabem reciclar, mas precisam de melhor serviço'
Sofia Parissi 10 de julho de 2025 às 07:00

Os dados avançados pela Sociedade Ponto Verde revelam que no primeiro semestre de 2025 a recolha seletiva de embalagens registou um aumento residual de apenas 2%. A CEO da Sociedade Ponto Verde destaca a necessidade da reavaliação do território.

Portugal está longe de cumprir as metas de reciclagem de embalagens estabelecidas pela União Europeia para o final de 2025 - o País tem de garantir a recolha seletiva de 65% de todas as embalagens colocadas no mercado.

Os dados do primeiro semestre de 2025, recolhidos pela Sociedade Ponto Verde [responsável pelo sistema integrado de recolha, tratamento e reciclagem dos resíduos de embalagens em Portugal], revelam um aumento residual de apenas 2% da recolha seletiva de embalagens, "com apenas mais 4.009 toneladas de embalagens a serem enviadas para reciclagem", em comparação com o período homólogo.

O vidro representa neste momento uma das maiores das preocupações, já que é um dos materiais com mais valor na economia circular - 100% reciclável e reutilizável - e está 1% abaixo do valor homólogo: "Foram recicladas menos 1.300 toneladas deste material, num total de 99.321 toneladas". Em entrevista à SÁBADO, a CEO da Sociedade Ponto Verde, Ana Isabel Trigo Morais, destaca a necessidade de reavaliação do território pelas autarquias e organizações intermunicipais, e alerta para o impacto ambiental e económico de enviar embalagens recicláveis para aterro.

Quais os riscos ambientais e financeiros do não cumprimento das metas?

O País tem três incineradoras, o que quer dizer que uma grande quantidade das embalagens [não recicladas] vão para os aterros que estão, em algumas regiões do País, a chegar a limites críticos de capacidade. Há aqui um cenário de grande prejuízo ambiental porque estamos a enviar para aterro materiais de embalagens que poderiam ter uma segunda vida, e por outro lado, temos um prejuízo económico porque os consumidores estão a pagar na compra da sua embalagem para que ela seja devidamente tratada e reciclada e, no final do dia, o que acontece é que vai parar ao aterro.

Até agora, a meta europeia para a reciclagem das embalagens era de 55% e o nosso apelo é exatamente porque as exigências para o cumprimento das metas aumentaram, mas também porque o sistema que temos desenhado para a recolha das embalagens não está a dar os resultados que deveria estar a dar.

O envelhecimento da população traz desafios? 

Pode ser necessário relocalizar ecopontos para servir melhor as pessoas, exatamente porque sabemos que o envelhecimento da população também traz desafios acrescidos e limitações. As autarquias, as juntas e as organizações intermunicipais têm que reavaliar o território e reavaliar a forma como se recolhem as embalagens no seu final de vida. Não tem que ser apenas através de ecopontos: pode haver recolhas porta a porta, pode haver ecocentros, pode haver incentivos para as pessoas depositarem esses materiais.

Qual das etapas, desde a sensibilização dos cidadãos à recolha, necessita de mais investimento?
Os nossos estudos dizem que os portugueses sabem reciclar, mas precisam de melhor serviço das suas autarquias, das suas associações e dos seus operadores municipais, para poderem ter uma reciclagem mais conveniente.
grande ponto crítico para atingirmos a meta da reciclagem e para sermos um país que cria valor ambiental está nas operações de recolha. Operações estas que têm de sofrer um grande investimento, revisão de processos e integração de novas tecnologias. A sensibilização, a literacia, a cidadania ambiental, os programas de divulgação, sensibilização também estão sempre na primeira linha da atividade da Sociedade Ponto Verde.
Existiu um reforço de €41M do investimento nos serviços de recolha seletiva de resíduos de embalagens. Onde foi alocado e que resultados esperavam alcançar? 
Os 95 milhões de euros que pagámos até ao passado mês de junho, que são mais 41 milhões, deviam estar a ser investidos na capacidade operacional de aumentar as recolhas, mais pessoas, mais ecopontos, mais caminhões, novas formas de ir buscar as embalagens. Preocupa-nos muito que o que estamos a financiar ainda não esteja a trazer os resultados que o País precisa. Sabemos que este aumento precisa de tempo para que o investimento tenha resultados, mas o que não estávamos à espera é que a reciclagem das embalagens na dimensão da recolha continuasse completamente estagnada. 
Existem barreiras a nível tecnológico? 
As dificuldades são mesmo de natureza da operação e da gestão da operação. Temos um programa que se chama Resource, The Next Level of Circular Economy, que o que faz é identificar qual é a tecnologia que está desenvolvida e que já está testada no mundo e que melhor se adapta a Portugal. Por isso é que nós financiamos parcerias com agentes públicos para os ajudar a usarem a melhor tecnologia para fazerem a melhor recolha, a melhor triagem e a melhor separação para se vender na indústria da reciclagem.
O setor dos resíduos é um setor em que o desenvolvimento das ferramentas de Inteligência Artificial tem sido de uma rapidez estonteante. Financiámos a instalação do primeiro braço robô para fazer a separação das embalagens aqui em Lisboa, na Valor Sul, com uma tecnologia que nos vai ajudar a ter muito mais desempenho e a separar muito mais quantidades de embalagens. 
Porque é que o vidro é um material tão crítico?
O caso do vidro é crítico porque nós estamos muito longe de cumprir a meta da reciclagem e é difícil. Portugal é um País onde consumo e a utilização de embalagens de vidro per capita é dos mais elevados da Europa, nomeadamente devido à nossa indústria produtora de vinhos. O que acontece é que estamos a perder esse vidro todo, não temos matéria-prima para entregar às vidreiras, que deixam de ter matéria-prima para fazerem novas garrafas de vinho e têm que importar resíduos de garrafas produzidos noutros países. 
70% dos portugueses em casa, depois de consumirem, pegam na garrafa e levam-na para o ecoponto. Onde nós perdemos as garrafas de vinho para o aterro é no consumo dos cafés, restaurantes, é no consumo fora de casa. Tem que se investir muito na recolha fora de casa.
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