Théo Giubilei: "Queremos terapias assistidas por psicadélicos seguras na Europa"
O fundador da Iniciativa de Cidadania Europeia PsychedeliCare, que tem que angariar um milhão de assinaturas para fazer exigências a Bruxelas, defende que os "preconceitos sobre os psicadélicos impedem-nos de andar para a frente".
Está aberta a partir de hoje a corrida a um milhão de assinaturas de cidadãos europeus para pressionar a Comissão Europeia (CE) a tomar medidas e impulsionar as terapias assistidas por psicadélicos (TAP). Théo Giubilei, o fundador da Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE) PsychedeliCare, salienta à SÁBADO que esta pode ser uma importante resposta à crise de saúde mental que se vive hoje em dia.
Quando é que decidiu fundar esta Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE)?
Eu venho de França, e a duas horas da minha cidade-natal, Estrasburgo, as pessoas podem ser tratadas com MDMA e psilocibina. Na Suíça estes tratamentos estão disponíveis desde 2014, sob certas condições. Achei bastante vergonhoso que a União Europeia não esteja a fazer grande coisa sobre isso, à exceção de um ou dois países pioneiros, quando sabemos estar a atravessar uma crise de saúde mental que ultrapassa fronteiras, afetando muitas pessoas e aqueles à sua volta. Acredito que cada cidadão europeu, se necessário, deve ter a possibilidade de aceder a estes tratamentos promissores de maneira acessível e segura. Para isso, precisamos de mostrar que há um grande apoio por parte dos cidadãos e organizações de toda a Europa para introduzir as terapias assistidas por psicadélicos (TAP). Por outro lado, o estigma sobre as substâncias psicadélicas continua a ser muito proeminente na Europa, e existe uma grande cisão entre o que diz a ciência e a perceção pública. Isto contribui para abrandar a investigação e as iniciativas políticas.
Avançou para a ICE por razões pessoais?
Tive a oportunidade há alguns anos de usar psilocibina, o que ajudou significativamente a minha saúde mental, numa altura em que não estava bem. Explorei então literatura científica, documentários e livros para aprender mais sobre este tópico. Cruzei-me com um livro chamado La Révolution Psychédélique, de Olivier Chambon e Jocelin Morisson, e fiquei impressionado ao saber de todos os ensaios clínicos em curso e os resultados promissores das terapias. A nível pessoal quis apoiar a passagem da abundância de investigação para a implementação legal. Entendi que desenvolver uma ICE podia ajudar e gerar uma resposta da Comissão. Coloquei a minha carreira de lado em Bruxelas e de momento trabalho num bar para conseguir concentrar-me completamente neste projeto.
O que acontece a partir de 14 de janeiro?
Qualquer cidadão europeu com idade para votar pode apoiar a ICE ao assiná-la online. Temos até 14 de janeiro de 2026 para recolher um milhão de assinaturas por toda a União Europeia de forma a pedir oficialmente à Comissão Europeia que aja quanto às terapias assistidas por psicadélicos. Aí ficará legalmente comprometida, de acordo com os Tratados Europeus, a responder aos nossos pedidos e a indicar que medidas irá tomar. Contamos com mais de 30 organizações a apoiar a ICE (em Portugal, com a Safe Journey, a MU Labs e a Kosmicare) e cidadãos de vários contextos.
Cada cidadão europeu, se necessário, deve ter a possibilidade de aceder a estes tratamentos promissores de maneira acessível e segura.
Théo GiubileiQual é o objetivo da ICE?
Se conseguirmos um milhão de declarações de apoio de toda a União Europeia, iremos oficialmente pedir à Comissão Europeia que desenvolva regras para assegurar terapias assistidas por psicadélicos seguras, acessíveis e económicas aos pacientes; que estimule a investigação financiada pela UE a substâncias psicadélicas e o seu uso terapêutico; e que recomende aos Estados-membros uma posição comum sobre a classificação legal de psicadélicos a nível internacional. Corrigir esta classificação – de 1971 – iria alinhar as leis internacionais com a investigação moderna e tornar as substâncias psicadélicas mais acessíveis para terapias reguladas.
A seu ver, qual é o ponto de situação na Europa quanto ao uso e investigação do uso terapêutico dos psicadélicos?
A União Europeia ainda está atrasada em termos de aceitação pública e propostas de políticas, quando comparada a países como a Austrália, Canadá, EUA e Suíça. Mesmo se alguns Estados-membros – como os Países Baixos, República Checa, Espanha – estão a dar os primeiros passos, falta um reconhecimento e ação conjuntos. A falta disso pode levar a uma situação em que alguns cidadãos europeus têm acesso a terapias, enquanto outros ficam para trás. Contudo, o interesse está a aumentar, com alguns membros do Parlamento Europeu a apoiar abertamente as terapias assistidas por psicadélicos e a Agência Europeia do Medicamento a iniciar a discussão. Até temos o primeiro ensaio totalmente financiado pela UE de uso de psilocibina para tratar a ansiedade em cuidados paliativos. Por isso há progresso!
Quais são as substâncias mais promissoras?
De momento estamos em diferentes fases de ensaios clínicos, dependendo da substância e da doença mental em questão. O MDMA para tratar o stress pós-traumático e a psilocibina para tratar a depressão "major" e ansiedade estão entre as mais investigadas e os resultados são altamente promissores, quando combinados com psicoterapia. Isto fez com que a Austrália autorizasse o uso destas duas substâncias em 2023. A investigação está a florescer, com ensaios com LSD para tratar cefaleia em salvas, dimetiltriptamina para certos tipos de ansiedade e depressão, ou psilocibina aplicada à anorexia. Nos próximos anos, vamos ter resultados de ensaios clínicos que nos podem permitir alargar o campo do uso de psicadélicos em saúde mental, em especial nas doenças em que o tratamento se mantém relativamente inadequado.
O que diria a alguém que ainda não decidiu se vai ou não assinar a ICE?
Estamos a experienciar uma crise de saúde mental na Europa, que em muitos aspetos, se está a agudizar. Esta crise afeta-nos a todos, direta ou indiretamente, como indivíduos, famílias, comunidades e sociedade. Não podemos privar-nos das ferramentas que a ciência, ao contrário dos preconceitos da sociedade, indica serem seguras e eficazes dentro de certas regras. Mas são estes preconceitos que nos impedem, enquanto sociedade, de andar para a frente. Por isso, além de assinar a ICE, encorajo os que estão hesitantes em explorar os inúmeros recursos científicos e académicos disponíveis sobre o tema.
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