Secções
Entrar

Morte, confronto e júbilo

Tiago Neto 05 de novembro de 2021 às 13:05

A família e o dever fizeram-na superar sete décadas acidentadas. Da morte de Diana ao jubileu de diamante, eis o terceiro capítulo de "A Rainha".

Muito foi escrito sobre a posição pública de Isabel II. Se, por um lado, em algumas funções, trazia sorrisos e acenos e devoção, por outro, a distância e o tratamento sensaborão valeram-lhe dedos apontados. Mas nos corredores de Buckingham, os mais chegados sempre a tiveram como um exemplo; de caráter, de missão, de dever. Falaram, muitas vezes, do humor acanhado mas certeiro, das intervenções rápidas e ponderadas. Da retidão.

Isabel esforçou-se sempre para que o dever real não a deixasse transparecer as quebras e desalentos, para que o público não olhasse para os Windsor como um retrato de permeabilidade, e conseguiu-o. Mas o mundo estava em mudança, os anos 60 trouxeram fraturas duradouras numa sociedade alimentada pelo descontentamento jovem, os 70 trouxeram desafios ao Império, bem como os 80, que chegaram com a figura de Margaret Thatcher.

Os 90 seriam a prova de fogo com a morte da Princesa Diana e, já no começo dos 2000, as mortes da mãe e da irmã, separadas apenas por sete semanas, levá-la-iam ao momento mais taciturno do novo século. Mas mesmo com todas as mortes, desafios – internos e externos ao Reino Unido – e com uma pandemia pelo meio, a Rainha segurou o país e a família. Porque esses foram sempre os mais altos valores.

Uma família “quadrada”?
Foi o que a Inglaterra jovem dos anos de 1960 acusou os Windsor de ser. Isabel, rodeada de figuras nobres e solenes, manteve alguma aversão à televisão, em especial a participar em qualquer atividade que fosse transmitida. Fê-lo, por exemplo, com a habitual mensagem de Natal, que durante a primeira década manteve via rádio. Para quebrar o estigma, a Rainha concordou em deixar-se filmar em Buckingham para o pioneiro programa Royal Family, em 1968. Esse primeiro avanço valeu-lhe uma nova admiração dos britânicos e deu um empurrão à popularidade da monarquia.Carlos, o filho problemático
A relação do Príncipe de Gales com os pais nunca foi fácil. Violet Bonham Carter, amiga da família, escrevia: “O Príncipe Carlos [...] [é] muito diferente de qualquer um dos pais”, acrescentando que os pais, Isabel e Filipe, gostavam que este fosse muito diferente. “Apaixonado pelo polo e pela vela, como a Princesa Ana [...] eles não são compreensivos e criticam-no muitas vezes (…) Ter de ser ‘aventureiro’ como um dever e não por impulso é um pesadelo”. A este, acrescia o facto de aos 30 anos o príncipe herdeiro ainda não ser casado, e de a sua vida ser descrita como “caça, tiro, polo e fornicação”. Com o assassinato de Dickie Mountbatten, tio de Filipe, pela organização terrorista IRA, Carlos perdeu um confidente e conselheiro.

Duas damas de ferro
“Afabilidade sem amizade.” A relação da Rainha com a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do país foi assim descrita por Matthew Dennison, retirado de uma frase que um antecessor de Thatcher, Callaghan, tinha proferido sobre a sua própria relação com a Rainha. Em menos de um ano de Thatcher no governo, os seus modos provocaram uma reação enérgica de um tabloide: “Há apenas uma mulher que usa a coroa neste país, seja o que for que outras mulheres possam pensar.” Apesar da sua longa associação, nenhuma conseguiu compreender verdadeiramente a outra, o que levou Isabel a comentar que a primeira-ministra era “simples, de uma franqueza provinciana”, o que não permitia espaço para qualquer tipo de galantaria.

FOTOS GETTYIMAGES

O adeus a Diana
Dia 31 de agosto de 1997 foi um dia que ficou na memória. Nas primeiras horas da manhã em Paris, Diana, que seguia de carro com o seu amante Dodi Al-Fayed, embateu num dos pilares do túnel por baixo da Place D’Alma ao fugir de um paparazzo. O mundo parou com a notícia. Diana, ex-mulher do então príncipe herdeiro, deixou dois filhos, William e Harry, de 15 e 13 anos, que à data do acidente estavam com os avós na Escócia. Mas o que muitos receberam como indiferença da Rainha, na altura, não o foi, pelo contrário. “A declaração do Palácio de que ‘a Rainha e o Príncipe de Gales estão profundamente chocados e perturbados com esta notícia terrível’, feita na manhã da morte de Diana, era uma expressão sincera das reações de Carlos e de Isabel”. Apesar disso, a Rainha comete aqui uma das mais graves falhas do seu reinado, a de não ter antecipado a importância do acontecimento para os britânicos, mantendo as atenções focadas nos netos. Ainda assim, aprovou os planos para o regresso do corpo de Diana à Grã-Bretanha e a sua mudança, com honras reais completas, para a Capela Real.

FOTOS GETTYIMAGES
Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela