Joana Gentil Martins: "Preencher o vazio de uma relação terminada com outra não é recomendado"
Um coração pode partir-se em qualquer idade. A maior dificuldade é fazer o processo de luto e na era das redes sociais, a tendência para superar é arranjar logo outro amor. Mas essa não é a solução, explica a psicóloga, que tem um novo livro cheio de exercícios que ajudam a reconstruir um coração partido.
Como reconstruir um coração partido– guia prático para ultrapassar o fim de uma relação e voltar a amar - é o novo livro de Joana Gentil Martins, de 28 anos – trineta de Francisco Gentil, fundador do IPO de Lisboa e neta de António Gentil Martins, cirurgião pioneiro na separação de gémeos siameses em Portugal. A psicóloga, de 28 anos, começou a trabalhar na Liga Portuguesa Contra o Cancro, mas dedicou-se à psicoterapia. Em 2021, criou a sua própria empresa, Gentil Martins Psicologia, que tem 25 psicólogas a dar consultas online, em português e em inglês. Este novo livro está cheio de exercícios que ajudam a reconstruir corações. "É a minha tentativa de levar a terapia, que infelizmente não é acessível a todos, a mais pessoas", diz a psicóloga àSÁBADO.
Aparecem-lhe muitos corações partidos em consulta?
Sim, mas mais do que o coração partido, aparece a consequência dele. Ou seja, a sintomatologia ansiosa, depressiva e baixa autoestima.
São mais raparigas do que rapazes?
No meu caso, são mais mulheres. No entanto, quando me perguntam se são mais os homens ou as mulheres que ficam com o coração partido, não consigo dar uma resposta porque, na verdade, há pessoas que eventualmente têm o coração partido, mas não procuram ajuda e por isso não fazem parte das estatísticas. Sem querer generalizar, existe ainda muito o conceito de que o homem não pode chorar. Eles têm mais dificuldade em aceitar que são vulneráveis e falar sobre os seus problemas.
Os corações partem-se mais em que idade?
Tanto pode acontecer aos 20 como aos 50 e também na adolescência. Eu trabalho só com pessoas acima dos 18, porque sou especializada em terapia cognitivo-comportamental para adultos.
Há cada vez mais dificuldade em reconstruir os corações?
A dificuldade é fazer o processo de luto. Tem-se falado na questão das redes sociais e das apps de namoro, que facilitam as pessoas arranjarem outra relação assim que acabam com alguém. E isso acaba por ser um sabotador do processo de luto em si. Existe aquela ideia de que arranjar alguém de "substituição" para esquecer outra, é a solução. Mas não é. Precisamos de parar para sentir e perceber o que aconteceu e o que também significou para nós enquanto pessoas.
As relações de substituição raramente resultam?
Preencher o vazio com outra relação não é recomendado, apesar de o ditado dizer que "para esquecer um amor, só outro grande amor". Não podemos querer que uma segunda pessoa nos complete sem estarmos inteiros, sem termos a autoestima fortalecida e com pensamentos realistas. Foco precisamente isso no livro para que a pessoa perceba que às vezes é mesmo importante pararmos, sentirmos, percebermos o que correu bem e menos bem, que aprendizagens é que obtivemos desta relação, seja ela amorosa, profissional, familiar ou de amizade.
De amizade?
Sim, o término de relações de amizade e profissionais têm impacto em nós e podem partir o nosso coração.
Existe aquela ideia de que arranjar alguém de "substituição" para esquecer outra, é a solução. Mas não é
Quais são os outros sabotadores da superação?
Há vários e descrevo-os no livro. Por exemplo, espiar as redes sociais da outra pessoa ou pedir aos amigos informações sobre o que está a fazer ou o que não está. Espiar corrói ainda mais a autoestima e aumenta a ansiedade. Outro sabotador é negarmos as nossas emoções, não querermos sentir e dizermos sempre que está tudo ótimo e que não precisamos de ajuda.
Também pode haver a tendência para romantizar a relação acabada…
Sim, é mais um sabotador. Quando terminamos uma relação existe a tendência para esquecermos ou "apagarmos" da memória as coisas más, começarmos a romantizar o passado e aquela pessoa passa a ser espetacular. Há um exercício muito prático e eficaz em que a pessoa deve escrever, de forma racional, o que funcionou e o que não funcionou. Assim, quando entramos no lado mais emocional de romantizar o passado, vamos a essa lista racional e vemos que afinal também pontos negativos. Muitas vezes, são os nossos amigos que nos dizem ‘não te lembras do que ele te fez?' Ou seja, funcionam um bocadinho como a lista e também são importantes.
Estamos a falar das "vítimas" das ruturas, porque há sempre uma das partes que fica pior…
Mesmo para a pessoa que termina, é igualmente importante fazer todo o desafio, porque quando decidimos acabar uma relação, não quer dizer que não soframos com isso. Aquela pessoa desaparece da nossa vida, a nossa rotina muda completamente e as expectativas também, porque, independentemente de ter sido quem terminou ou não, as pessoas estão juntas e acabam por criar expectativas sobre o futuro. Por vezes, também se perdem amigos.
No livro, também propõe um desafio de 30 dias para ultrapassar o fim da relação, que começa logo pelo contacto zero.
Porque é um dos exercícios fundamentais. Os capítulos do livro têm uma sequência, que começa sobre o que é o amor e o seguinte é sobre se devo terminar ou não. Os outros capítulos são: como fazer o luto, os sabotadores da superação, quem somos após o término de uma relação, o ambiente que me rodeia (como lidar com os comentários da família e amigos). No final é que aparece o desafio dos 30 dias.
Qual é o objetivo?
Se a pessoa terminou uma relação recentemente, pode começar logo pelo desafio dos 30 dias. Não no sentido em que só vai demorar 30 dias a superar, mas no sentido em que quando terminamos uma relação sentimo-nos muito perdidos e confusos. Criei um exercício por dia para a pessoa se guiar e depois destes 30 dias já pode ler o livro pelo início.
Porque escolheu este tema?
Por duas razões: a primeira, por ser um dos pedidos que aparece muito em consulta, e a segunda razão foi para ter uma sequência de um processo nos livros que publiquei - este é o terceiro. No primeiro, trabalhamos as questões de autoestima, um passo a passo para aumentar a autoestima. No segundo, sobre a coragem para seres tu própria, trabalhamos como lidar com a autocrítica, com o julgamento dos outros e como impor alguns limites. Este último é sobre como lidar com o fim das relações, porque quando aumentamos a nossa autoestima começamos a criar limites e algumas relações, eventualmente, acabam por terminar, porque nós também mudamos.
As redes sociais ajudam a partir corações?
Não só ajudam a partir corações como a gerar ansiedade. Existem vários estudos sobre as redes sociais porque cada vez mais os jovens e os adultos passam muito tempo com elas. Isso provoca impacto na ansiedade e na autoestima, diminuindo-a, o que também vai impactar na relação com os outros. Ou seja, passo a confiar menos em mim, leva-me a pensar que não sou suficiente ou comparar-me com outras pessoas. Por isso é que as redes sociais são um fator que tem sido estudado a nível da saúde mental em todos os campos.
A Geração Z relaciona-se mais através do Whatsapp ou do Instagram, comunicando cada vez menos cara a cara. Porquê?
A grande questão é a facilidade como hoje se comunica. Antigamente, as pessoas para se conhecerem tinham de se encontrar e agora, num segundo envia-se uma mensagem e tem-se uma resposta. Acho que cada vez mais se evita o sentir, o estar junto e o compromisso porque nos deixa vulneráveis. Como o nosso cérebro está programado para sobreviver, procuramos o que é seguro, o que nos vai fazer bem. O imediatismo vem muito neste sentido que é: então se eu consigo perceber já se gosto ou se não gosto e se não gostar, posso sair. Há muito a necessidade de controlo. Eu aconselho sempre as pessoas a relacionarem-se pessoalmente, a falarem.
O contacto não verbal pode gerar sentimentos de rejeição e baixa autoestima?
Sim, porque há a expectativa de uma resposta no momento e se a demora foi maior do que o habitual pode levar a distorção de pensamento. Em consulta aparecem vários casos desses em que a pessoa pensa ‘não me respondeu, já não gosta de mim’ ou ‘está a demorar muito tempo a responder porque deve estar com outra’. Aí trabalhamos a flexibilidade cognitiva.
Como?
Fazemos com que a pessoa consiga imaginar outros cenários que não provoquem emoções negativas. Por exemplo: Que mais hipóteses é que há para a pessoa não ter respondido? Porque está numa reunião, a conduzir, no ginásio, porque ficou sem bateria ou perdeu o telemóvel. Como estamos programados para a sobrevivência, vamo-nos sempre focar no que é negativo. O problema é que não estamos a evoluir à mesma velocidade que a tecnologia à nossa volta está a evoluir. O nosso cérebro acaba por ficar limitado e muito ansioso. Trabalhar a autoestima é uma questão de prevenção.
Mas todos temos pensamentos negativos…
Claro que sim, a questão é qual é o patamar de cada um destes pensamentos negativos? Quando é que eu vou acreditar neste pensamento negativo? Ou perceber, ok, isto é só um pensamento, não é um facto. O que é que eu posso pensar de uma forma mais realista? Lá está novamente esta flexibilidade cognitiva. Há um exercício que é dar um nome à nossa mente, como se fosse um alter ego, e estabelecermos diálogos com ela.
Quando se está preso a uma relação sem saber o que fazer, qual é o melhor exercício?
Primeiro é preciso escrevermos o que queremos numa relação. Escrever é um exercício muito útil porque é gráfico e clarifica as coisas, para não nos perdermos nos nossos pensamentos. Quando colocamos os critérios no papel, obtemos uma clareza muito maior daquilo que queremos para nós de uma relação, como se fosse uma checklist.
Perceber se a relação é saudável ou não…
Hoje é difícil as pessoas perceberem se estão dentro de uma relação que é saudável, respeitosa, com empatia ou não. Como há a necessidade de nos relacionarmos com os outros, por vezes tentamos agradar ao outro ao ponto de deixarmos de ser quem somos e isso já não é saudável. Há que fazer aquilo a que chamamos a balança da decisão.
Como é feita?
Colocamos as vantagens e as desvantagens em sair daquela relação. Mais uma vez, tudo no papel para conseguirmos comparar. Depois, atribuímos pontos àquilo que a balança deu, porque nem tudo tem o mesmo peso. A teoria é muito importante, mas a pessoa que precisa de ajuda tem de fazer a parte prática.
Qual é a melhor forma de comunicar o fim de uma relação?
O ideal é fazê-lo presencialmente, se estivermos a falar de uma relação que também exista presencialmente, já que algumas começam e terminam por mensagem. Aconselho sempre a pessoa a tentar comunicar com uma conversa cara a cara. Se não for possível, por videochamada ou simplesmente por chamada, que não sendo o ideal, é sempre melhor do que não dizer nada. O ghosting [quando a pessoa apenas desaparece] é muito impactante para a saúde mental e para os níveis de ansiedade da outra pessoa.
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