Já se pode fazer tatuagens sob o efeito de anestesia ou sedação, mas será seguro?
A prática de fazer tatuagens sob o efeito de anestesia geral ou sedação já foi adotada no Brasil e nos Estados Unidos pelas estrelas, e está, pouco a pouco, a ganhar adesão em Portugal.
Alguma vez pensou em fazer uma tatuagem que ocupasse as suas costas, o seu braço ou perna, mas com receio da dor, não o fez? Agora há uma nova moda que promete facilitar esse sonho e à qual já aderiram artistas brasileiros como o MC Cabelinho e o MC Pedrinho, e vários tatuadores norte-americanos: a tatuagem sob o efeito de anestesia ou sedação.
Tem como objetivo a eliminação da dor e a realização de uma tatuagem, que poderia durar quatro ou cinco sessões, numa só. No entanto, nos últimos tempos têm surgido questões acerca dos riscos associados a procedimentoa deste tipo, que recorrem à administração de algum tipo de sedação, e em alguns casos, de anestesia geral. Ainda no fim de janeiro, Ricardo Godoi, um influencer brasileiro, morreu aos 45 anos durante uma sessão de tatuagem com a administração de anestesia geral.
A SÁBADO falou com Jorge Órfão, médico anestesista e coordenador da unidade de anestesiologia do Hospital Lusíadas do Porto, sobre os riscos da administração da anestesia geral e de outros tipos de sedação. Na anestesia podem ou não "ser utilizados fármacos analgésicos, opióides ou relaxantes musculares", resultando numa "hipnose, um relaxamento". No entanto, apesar de ser uma prática cada vez mais segura, "não é isenta de riscos", lembra o médico. "Os doentes devem ser avaliados antes, em termos de patologias respiratórias, cardíacas, renais", entre outras e mediante esta avaliação, "os riscos são variadíssimos".
Segundo o especialista, muitos pacientes preocupam-se com as alergias, uma vez que "muitos fármacos utilizados são alérgenos". Mas também existem "riscos cardiovasculares, a anestesia interfere com o sistema cardiovascular e respiratório", por exemplo, quando "obriga a ligar o doente a um ventilador, se não for conseguido leva a um risco acrescido, nomeadamente de morte". "O risco de morte é ínfimo, mas está presente", salienta Jorge Órfão.
Quando se aplicam estes riscos a um procedimento como, por exemplo, o ato de fazer uma tatuagem nas costas de um paciente, acrescenta-se a questão do posicionamento. O anestesista explica que neste caso, é necessário colocar "o doente de barriga para baixo, o que implica cuidados muito sérios". Ao "manusear um doente sob anestesia geral, podemos infligir danos e não nos aperceber", acrescenta.
Em Portugal, Ian Soares, um tatuador natural do Brasil mas com um estúdio em Vila Nova de Gaia, será o único a realizar este tipo de procedimento. Segundo a sua página do Instagram, Ian terá sido o pioneiro da tatuagem sob o efeito de anestesia e sedação no País, algo que começou a fazer há cerca de dois anos.
À SÁBADO, o artista conta que o faz com o maior dos cuidados, sendo necessário dois orçamentos, um para a prestação dos seus serviços e outro para a administração da sedação num local de confiança e certificado para tal. Uma tatuagem que ocupa as costas "pode chegar na média dos 3 mil euros" e quanto ao fornecimento dos profissionais médicos, serão necessários "3 mil euros para o aluguer da sala cirúrgica, para um procedimento de oito horas, e mil euros para o orçamento do anestesista".
Durante os seus procedimentos, a sedação é sempre "administrada por profissionais certificados, anestesistas e enfermeiras", e realizado num hospital de confiança, sendo o processo "monitorizado do início ao fim por profissionais qualificados".
A preparação do paciente para este procedimento consiste na recolha de dados do cliente, nomeadamente "o peso, a idade, se tem doenças ou se não tem, se usa algum tipo de remédio ou drogas". São realizados ainda "exames nos pacientes para saber como está a saúde e saber se é possível fazer esse procedimento". Tudo é feito para "certificar que corra tudo na maior segurança possível". Ian realça ainda que "o paciente só sai do local quando recebe alta do médico", podendo acontecer no próprio dia "caso o médico veja que está tudo seguro" para tal.
Em Portugal, apenas consultórios ou hospitais e profissionais aptos podem administrar anestesia, uma vez que é uma prática com "muitas implicações", até porque é necessário que estejam disponíveis "desfibriladores", e outro tipo de máquinas caso algo não corra como planeado, segundo Jorge Órfão.
As tatuagens feitas por Ian Soares são feitas sob o efeito de sedação, apesar de outros tatuadores internacionais optarem pela anestesia geral. A diferença entre ambos foca-se particularmente na questão da perda de consciência. Na anestesia geral, há a "perda completa de consciência", em que o paciente está ligado a um ventilador. Na sedação, apesar do paciente poder estar a dormir, "há alterações da consciência em diferentes graus". Jorge Órfão esclarece que o objetivo é "tirar a ansiedade que uma pessoa possa ter, consoante o nível de consciência". Existem então diferentes tipos de sedação, "desde a sedação acordado, consciente e tranquilo, ou em que está a dormir".
Apesar das garantias de que tudo é feito cumprindo as normas, levanta-se também a questão da banalização da utilização da sedação, ainda que altamente segura, com um pequeno risco de mortalidade. "Os cuidados de saúde que envolvem a medicina estão banalizados, desprovidos da consequência, não pode ser assim", defende o médico anestesista. "Uma anestesia, seja ela qual for, obriga a cuidados muito específicos, a monitorização específica." Apesar de hoje em dia "as coisas serem muito seguras e a percentagem de coisas negativas que podem acontecer ter baixado muito, elas ainda existem".
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