Secções
Entrar

Entrevista: Mandela esteve sempre convicto da vitória contra 'apartheid' - investigadora

12 de julho de 2018 às 17:43

O livro de Sham Venter é publicado hoje em Portugal.

A investigadora sul-africana Sham Venter afirmou hoje que o líder histórico Nelson Mandela esteve sempre convicto da sua vitória na luta 'anti-apartheid', mesmo durante os 27 anos em que esteve preso.

Em entrevista à agência Lusa, em Joanesburgo, a jornalista e autora de "As cartas de prisão de Nelson Mandela", um livro hoje publicado em Portugal, diz que toda a correspondência do antigo Presidente sul-africano mostrava um claro optimismo no sucesso da luta contra o regime racista.

"Isso é evidente nestas cartas e ele trabalhava incansavelmente nesse sentido. Não tenho a certeza se realmente acreditava que um dia viria a ser o Presidente da África do Sul e um líder de estatura mundial", mas "aproveitou ao máximo as oportunidades criadas pelas circunstâncias do momento", afirma a escritora.

Sahm Venter explica que passou cerca de dez anos a trabalhar com todos os arquivos e registos oficiais sobre Mandela no Arquivo Nacional da África do Sul e na própria Fundação Nelson Mandela, contactando ainda com fontes familiares e amigos do prémio Nobel da Paz para compilar e organizar o acervo de cartas agora publicadas, na sua maioria desconhecidas do grande público.

O livro, já publicado na África do Sul, junta 255 cartas escritas por "Madiba", como é conhecido no país.

Segundo a autora, as cartas constituem um terço do acervo reunido para a Fundação Nelson Mandela.

A colecção encontra-se organizada por ordem cronológica e dividida pelas quatro instituições prisionais por onde Mandela passou desde 5 de Agosto de 1962 até à data da sua libertação em 11 de Fevereiro de 1990: Pretória Local Prison (1962-1963), Robben Island Prison (1964-1982), Pollsmoor Prison (1982-1988) e Victor Verster Prison (1988-1990).

"Pretendi com este livro, contar a história de uma vida na prisão que começa no dia em que foi detido no dia 5 de agosto de 1962", mas "a primeira carta neste livro foi escrita na véspera da sua (primeira) condenação", explica.

Sahm Venter considera a obra como "a voz de Madiba, exactamente como ele a escreveu na altura em que esteve preso, provavelmente o período mais desgastante de toda a sua vida".

"Foi como se eu tivesse encarnado numa mosca que pairou na parede da sua cela, alguém que teve a oportunidade de recuar no tempo e ficar ali, sentada, a sentir como a vida passava por ele ou a imaginar como teria sido. Foi uma experiência pessoal muito especial", conta a investigadora e jornalista sul-africana.

A convicção com que Nelson Mandela entrou pela primeira vez numa prisão, em 5 de Agosto de 1962, foi precisamente a mesma com que saiu em liberdade 27 anos depois, disse à Lusa a investigadora.

Sahm Venter refere que a contínua determinação de Mandela em mudar uma sociedade economicamente dividida e racialmente segregada, pese embora todos os sacrifícios por que passou, foi um dos factores mais marcantes na compilação das suas cartas de prisão que escreveu durante 27 anos de encarceramento.

A investigadora adianta que a nova colecção de cartas de prisão de Mandela, publicadas quarta-feira, em Joanesburgo, consolida o facto de se estar perante um homem que tomou decisões "muito concretas acerca do seu comportamento".

Mandela "nunca aceitaria ser recluso e ser tratado como inferior; iria sempre manter a sua dignidade e ser dignificado perante os outros, mesmo que fossem guardas prisionais ou funcionários do governo e através do seu exemplo, congregar as pessoas à sua volta. Madiba não se deixava influenciar por comportamentos, e por isso mantinha o controlo da sua personalidade e carácter e isso foi um aspecto importante que pretendi realçar neste livro", afirma.

Sobre as dificuldades que enfrentou, a autora realça apenas uma: "o facto de ele não continuar a estar presente para me ajudar a precisar a informação sobre quem é quem para facilitar a leitura aos leitores em várias partes do mundo."

"Mas tive a oportunidade de passar muitas horas com Winnie Mandela que me ajudou, de forma excepcional, a identificar certos lugares e certas pessoas. Winnie entusiasmou-se imenso com o projecto e tinha uma memória excelente, apesar dos seus 81 anos de idade", disse.

Entre as 255 cartas publicadas, a autora destacou à Lusa uma missiva que Mandela, que contava já com 24 anos na prisão, escreveu a uma pessoa amiga, funcionária do Alto Comissariado das Nações Unidas, em Mogadíscio, Somália.

"A África do Sul havia decretado o Estado de emergência na altura. O país estava virtualmente em guerra civil e Mandela continua na prisão, e então escreve esta carta dizendo que 'quando um homem se compromete a este tipo de vida há 45 anos, mesmo que possa não estar preparado, é impossível prever a realidade e o curso dos acontecimentos que influenciam a sua vida. Se pudesse antecipar tudo o que aconteceu, certamente que voltaria a tomar a mesma decisão". Mais uma vez, revela o seu comprometimento", diz Sahm Venter. 

A investigadora recorda ainda um outro momento em que meses antes da sua detenção, Mandela tinha participado numa conferência em Pietermatizburg, no litoral sul do país, onde foi solicitado a escrever ao primeiro ministro da África do Sul do Apartheid, Hendrik Verwoerd, a instar a que a África do Sul não abandonasse a Commonwealth de nações.

Mandela, que escreveu por duas vezes sem resposta, propôs como alternativa a realização de uma convenção nacional para se elaborar uma constituição não racial para a África do Sul. Vinte e sete anos depois, ao sair em liberdade, o mesmo Mandela voltou a fazer o mesmo apelo, precisou Sahm Venter.

Com edições em Portugal e no Brasil, o livro conta ainda com mais seis edições em inglês, alemão, francês, holandês, italiano e sueco.

"As cartas de prisão de Nelson Mandela" é o primeiro volume de cartas de uma série de três que Sahm Venter pretende levar à estampa.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela