Secções
Entrar

Acordo secreto confirma colaboração entre Estado Novo e apartheid na guerra colonial

09 de dezembro de 2020 às 09:21

Acordo até agora nunca confirmado validou a colaboração formal entre o Estado Novo e os regimes segregacionistas da África do Sul e Rodésia, em 1970.

Um acordo secreto, até agora nunca confirmado, validou a colaboração formal entre o Estado Novo e os regimes segregacionistas da África do Sul e Rodésia, em 1970, segundo o historiador Vicente de Paiva Brandão.

"Alcora" é o nome da aliança militar secreta entre Portugal, África do Sul e Rodésia (atual Zimbabué), para combater os movimentos independentistas na África Austral.

"O enfraquecimento dos movimentos de libertação que combatiam as forças portuguesas em Angola e Moçambique interessava manifestamente à África do Sul", afirmou o historiador, recordando que Pretória enfrentava também resistência semelhante na Namíbia.

"Lisboa e Pretória organizaram-se à época para evitar que África fosse um espaço disputado pelas duas superpotências, que tinham discursos anticoloniais, desde que o resultado das lutas os favorecesse", explicou o professor-auxiliar da Universidade de Cabo Verde e que se dedicou a estudar estes acordos.

Portugal e África do Sul olhavam para a guerra colonial como uma forma de manter "valores civilizacionais e pró-ocidentais no continente africano", salientou.

Com a independência do Congo Belga, atual República Democrática do Congo, são criados campos de treino para os guerrilheiros que combatiam os regimes do 'apartheid' e salazarista.

Os sul-africanos olhavam Angola e Moçambique como "vanguarda de defesa do seu próprio país e do regime", pelo que promoveram "partilha de informações e apoio militar", que resultou mesmo na cedência de equipamento.

"Isto é tudo muito camuflado e há sempre a tentativa que nunca seja conhecido do grande público. Portugal não queria estar associado a um Estado onde vigorava o 'apartheid' e ao mesmo tempo a África do Sul não pretendia estar associado a um Estado considerado colonialista", resumiu Paiva Brandão.

Paiva Brandão descobriu este acordo após uma "investigação em Oxford a partir das conexões rodesianas, nomeadamente a partir do momento em que há uma rutura de relações entre Ian Smith (primeiro-ministro) e a Grã-Bretanha".

O acordo foi celebrado em 14 de outubro de 1970, mas a designação oficial foi de "exercício", para camuflar o alcance diplomático do documento.

O objetivo do acordo era "investigar os processos e meios de conseguir um esforço coordenado tripartido entre Portugal, a República da África do Sul e a Rodésia, tendo em vista fazer face à ameaça mútua contra os seus territórios na África Austral", lê-se no livro, publicado pela Casa das Letras.

Após 1975, Pretória "ressentiu-se imenso dos processos de independência" de Angola e Moçambique, que passaram a ser palcos de formação de quadros que iriam depois desestabilizar os regimes segregacionistas, na década de 1970 e 1980, culminando na ascensão de Robert Mugabe na Rodésia, independência da Namíbia e democratização da África do Sul.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela